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Consequências da surdez

Fonte: EverybodyWiki Bios & Wiki

As consequências da surdez existem, sobretudo ao nível do desenvolvimento. O Surdo fica privado, em termos auditivos, de um conjunto de informações do dia-a-dia, que invadem permanentemente o ouvinte, sem que este exerça algum esforço deliberado. Esta privação pode provocar sentimentos como a desconfiança e insegurança, pois, a criança Surda “experimenta os acontecimentos que podem ocorrer sem previsão ou explicação. A falta de preditibilidade ou explicação dos eventos pode fazer com que uma criança possa sentir-se mais insegura e impotente, e supomos que, em consequência, também terá menos probabilidades de estabelecer relações de causa-efeito”. Ao não lhe ser possível dominar, por completo, o ambiente em que se movimenta, a criança Surda “arrisca-se a acostumar-se a viver num mundo incompreensível de que adopta os comportamentos por mimetismo visual”. Recorde-se, por exemplo, o testemunho da atriz Surda Emmanuelle Laborit, quando refere que as suas recordações da primeira infância são estranhas, pois existia “um caos na minha cabeça, uma sequência de imagens sem relação entre si, como sequências de um filme montadas umas atrás das outras, com longas tiras negras, grandes espaços vazios” (Laborit). Este facto resulta da ausência de uma linguagem estruturada que dê sentido ao que se vê e que permita a evocação da imagem, mesmo quando ela não está presente.


Meios de acesso à informação[editar]

Após analisarmos as formas de reduzir os efeitos desta situação, torna-se imperativo reflectir sobre os meios que o Surdo dispõe para aceder à informação. Apesar de considerarmos importante estimular e explorar, ao máximo, as capacidades auditivas residuais, temos a profunda consciência de que a informação daí resultante é muito escassa e incompleta e que nunca será suficiente a um normal processo de aquisição da linguagem oral. Daí a necessidade de recurso a vias sensoriais alternativas que possibilitem uma melhor recepção. A visão vai desempenhar um papel fundamental na comunicação do Surdo, mas ao contrário do que por vezes se pensa, as limitações num sentido não implicam a superioridade dos restantes, tal como referem Antunes e Ricou: “está hoje comprovado que um órgão não possui a capacidade de aumentar as suas performances funcionais. O fenómeno de compensação deve residir mais alto, na cadeia hierárquica das operações cognitivas, ao nível da percepção”.


Leitura labial (enfatizada pelas perspectivas oralistas)[editar]

A criança Surda pode “ver” as palavras em vez de as ouvir. No entanto, para vários autores, existe uma série de circunstâncias que impedem uma total eficácia na leitura labial. Salientamos algumas:

  • Não é possível distinguir, visualmente, sons produzidos com o mesmo ponto e modo de articulação e que diferem apenas num traço mínimo distintivo, não visível, como o vozeamento (exemplo: p/b);
  • Os diferentes ritmos e modos de falar, conforme os indivíduos, exigem uma adaptação constante;
  • A leitura labial não consegue traduzir, de forma clara, aspectos supra-segmentais da fala como a entoação, o ritmo e a melodia;
  • Há uma necessidade permanente de vislumbrar bem os lábios de quem fala, o que nem sempre é possível;
  • A leitura labial implica uma boa capacidade de memória;
  • É necessária uma boa capacidade de imitação e facilidade para encontrar correspondência nos seus órgãos articulatórios;
  • O tempo de produção é muito curto pelo que se exige uma grande concentração visual sobre o emissor.

Assim, devido a estes e outros factores, a leitura labial apresenta grande imperfeição, pelo que apenas cerca de 25 a 30 por cento da fala pode ser descodificada, exclusivamente, por este meio.

Linguagem escrita[editar]

Para superar alguns destes obstáculos aponta-se, frequentemente, como solução o desenvolvimento da linguagem escrita, entendida como comportando todo o material linguístico escrito que vai permitir a descodificação através da leitura (linguagem receptiva) e não especificamente os aspectos grafo-motores ou expressivos. Observa-se, aliás, um dos poucos pontos de convergência entre defensores do oralismo e de gestualistas e bilinguistas, já que todos reconhecem a enorme importância da representação escrita. No entanto, divergem no seu valor relativo.


Linguagem escrita – oralistas[editar]

Suporte à aquisição da Língua oral, na medida em que ela comporta características de maior acessibilidade para o Surdo. Segundo esta perspectiva, o processo de aquisição da leitura, pelo Surdo, poderá ser idêntico ao processo através do qual o ouvinte aprende a sua primeira Língua falada, verificando-se uma mútua influência entre a linguagem falada e linguagem escrita. Assim, a introdução precoce da leitura ajudaria na aquisição da linguagem oral, com efeitos sobre o conjunto da sua performance linguística. Ao desenvolver, eficazmente, a leitura possibilitava-se a existência de um código comum entre Surdos e ouvintes, embora com o inconveniente de quebrar uma comunicação espontânea para introduzir a escrita. No entanto existem factores causadores de dificuldades, ao Surdo, no processo de descodificação do material escrito:

  • Interpretação errada, já que a criança interpreta as palavras que desconhece ou conhece mal, de um modo superficial ou por adivinhação, relacionando tudo o que lê consigo própria e misturando a sua experiência pessoal com o texto;
  • Agrupamento incorrecto das palavras visto que estas são tomadas em si próprias, com um valor absoluto, sem ter em conta o contexto em que estão inseridas;
  • Leitura resumida em que a criança compreende palavras ou grupos de palavras tomando-as entidades totalmente separadas e não identificando qualquer relação entre elas;
  • Enorme dificuldade em compreender pressuposições e sentidos figurados, pois apenas há a apreensão do sentido denotativo, concreto das palavras e expressões;
  • Problemas na reorganização da ordem cronológica ou lógica de uma história ou texto devido à dificuldade de orientação temporal — sequencial;
  • Leitura mecânica, sem acesso ao significado, pelas lacunas vocabulares e sintácticas;
  • Rigidez de funcionamento baseado num pensamento demasiado concreto ou dependente da percepção visual.


Linguagem escrita – gestualistas e bilinguistas[editar]

A leitura/escrita vai assumir um papel diferente, pois constituirá o acesso à segunda Língua, ou seja, à Língua da comunidade ouvinte maioritária, defendendo que a primeira língua é, para o Surdo, a Língua gestual. Certo autor afirma que “é, sem dúvida, uma tarefa difícil para qualquer criança que aprende a ler numa Língua diferente da sua, mas para os Surdos, essa tarefa parece ainda mais difícil, já que aprender a ler significa aprender a Língua”.

A dificuldade é acrescida pelo facto da Língua gestual ter uma gramática própria, organizada espacialmente, ao contrário da organização sequencial da Língua oral. Assim, “enquanto que na criança ouvinte a aprendizagem da leitura se baseia nas aquisições feitas a nível de linguagem oral, a criança Surda fará essa aprendizagem através de exposição a formas escritas em que apenas o conteúdo pode ser relacionado com a Língua gestual a que esteja exposta” (Amaral, 1999: 43). Não estamos perante duas modalidades da mesma Língua, como era o caso do Português oral e do escrito, mas sim perante duas Línguas, em modalidades diferentes.

Os defensores do gestualismo colocam muitas reservas no que diz respeito ao desenvolvimento precoce da leitura nas crianças Surdas, pois consideram que “esta tarefa apresenta dificuldades e pressupõe um certo nível de maturidade cognitiva, que não pode ser exigido a crianças muito novas, sejam elas Surdas ou ouvintes” (Svartholm, 1998: 42). No entanto, isso não invalida uma exposição ao material escrito, realizada, essencialmente, de uma forma lúdica. Deste modo, mais importante do que a aquisição da técnica da leitura seria o facto de se tratar de um meio de acesso à informação e à Língua da comunidade ouvinte.


Língua gestual versus Língua gestual[editar]

No domínio da recepção da comunicação, é habitual considerar outras formas como a representação gráfica, expressão corporal e gestual que, embora desempenhando um papel menor, podem ajudar pontualmente o Surdo na descodificação das mensagens. Os problemas da pessoa Surda, ao nível da comunicação, não se restringem aos aspectos receptivos/compreensivos, mas estendem-se à produção. Durante vários anos, vigorou a concepção de surdo-mudo que, actualmente, está ultrapassada.

Eventuais alterações na produção de enunciados não derivam de perturbações nos órgãos fonadores, mas apenas nas limitações receptivas que impedem uma imitação correcta. A linguagem expressiva do Surdo pode ser oral (Língua Portuguesa) ou gestual (Língua Gestual Portuguesa), assumindo características completamente distintas. Mesmo com um atendimento precoce segundo uma perspectiva oralista, o Surdo vai apresentar, ao nível de produção oral, muitas lacunas e graves problemas.

Ao nível da rememorização, ou seja, “na chamada de informação, ou do léxico para formular a expressão espontânea” em que “entram em consideração a selecção de palavras e a sua mobilização activa no discurso” (Fonseca, 1984: 244), distinguem-se grandes dificuldades dos Surdos devido à limitação do seu universo vocabular, motivada pela fraca exposição à linguagem. Além disso, as palavras tendem a ficar restritas ao contexto em que surgiram, por dificuldades de generalização. As crianças podem, inclusivamente, reconhecer a palavra, sem a conseguirem utilizar, de uma forma espontânea, no seu discurso oral. Isto conduz ao uso de um léxico pouco variado, com repetição de vários termos que se relacionam, essencialmente, com nomes de objectos e pessoas.

Ao nível da formulação do discurso oral, o Surdo tem tendência a exprimir, directamente, as ideias em função das suas necessidades, sem ter em consideração as regras morfo-sintácticas da Língua, que geralmente desconhece. Assim, fica com a impressão de que conseguiu comunicar as suas intenções pelo que não se preocupa, voluntariamente, com a correcção linguística. Em muitos casos, a mensagem consegue ser facilmente descodificada pelo interlocutor, apesar da sua construção deficiente, mediante o recurso ao contexto, à mímica e ao factor habituação.


Os Surdos e a linguagem oral[editar]

Com estas características é fácil compreender as enormes dificuldades que o Surdo apresenta para se fazer entender junto do ouvinte e de outro Surdo, utilizando a linguagem oral. Frequentemente, os seus enunciados são pobres e limitados, restringindo-se a uma comunicação centrada nas necessidades imediatas mais elementares. Mesmo estas são de difícil descodificação fora do envolvimento directo e quotidiano do Surdo. Alguns métodos pedagógicos, de cariz oralista, acentuam em demasia essa dimensão, pois o seu objectivo primordial é transformar o Surdo em ouvinte. Para isso, concebem todo um trabalho “reabilitativo”, assente na terapia de fala e no treino auditivo, de forma a tornar a fala do Surdo o mais “normal” possível. Apesar disso ser “tecnicamente” possível em certos casos, pode-se questionar a sua utilidade real, no contexto quotidiano, já que os interlocutores desconhecidos não conseguirão, na maioria dos casos, entender essa produção. Trata-se, aliás, de um dos argumentos usados pelos gestualistas para criticar as posturas oralistas que salientam que o esforço desenvolvido para conseguir que o Surdo articule algumas frases poderia ser melhor direccionado a outras aprendizagens mais significativas. Eis algumas características da fala do Surdo:

  • Vozes demasiado agudas ou graves com flutuações de timbre;
  • Intensidade de voz mal controlada;
  • Falta de ritmo com extrema dificuldade em manter o tempo certo para cada produção fonética;
  • Dificuldade na capacidade respiratória e fonatória;
  • Dificuldade ou ausência de acentuação com deformações na melodia, acento temporal e dinâmico;
  • Dificuldades articulatórias com omissões, quedas de fonemas ou substituição por outros.

Desenvolvimento afectivo[editar]

No que respeita ao desenvolvimento afectivo, ele aparece fortemente influenciado pela construção da linguagem e, nomeadamente, pelas falhas que podem existir nesse processo. Isso reflecte-se, de forma mais evidente, em crianças que não têm uma primeira Língua estruturada, quer se trate de Língua oral ou Língua gestual. A afectividade do Surdo pode ser afectada, desde a gestação, pois, actualmente, está comprovado que os ruídos desempenham um importante papel na génese dos afectos e que aqueles são possíveis de detectar pelo feto no último trimestre de gravidez. Ora, sabe-se que a voz da mãe, as cantigas de embalar e os ruídos normais da casa geram estados afectivos e emocionais que permitem ao bebé ouvinte não sentir-se sozinho, mas imerso num meio para o qual dispõe de mecanismos de defesa. O facto de ouvir permite-lhe antecipar alguns acontecimentos e diminuir surpresas desagradáveis. Isto não vai suceder no bebé Surdo, pois ele só vai aperceber-se das pessoas e acontecimentos quando estes se encontram no seu campo visual. Cresce, assim, a sua sensação de perda, na ausência visual da mãe, daí que os choros sejam mais frequentes. O bebé Surdo vai ter necessidade de identificar a figura materna através de outras referências como o odor e o tato.

As mães Surdas, curiosamente, se apercebem desse aspecto, espontaneamente, desenvolvendo, de uma forma geral, mais comportamentos tácteis com os seus filhos do que as mães ouvintes com filhos ouvintes. No entanto, não nos podemos esquecer que a maioria das crianças com surdez são filhas de mães ouvintes pelo que, nestes casos, a situação é mais complexa. A dificuldade de interacção mãe-filho pode acentuar-se com a reacção da família à descoberta do problema da criança e a forma como é realizado o “luto do filho perfeito, modificando todas as expectativas em relação a ele que, a partir desse momento, é diferente” (Silva). Foram observadas as seguintes problemáticas:

  • Negação;
  • Aceitação – nova orientação face ao reconhecimento das possibilidades do seu filho, visto não como um deficiente, mas como “um filho diferente”;
  • Sentimentalismo: inadequação, raiva, culpa (os pais pensam ter feito algo que causou a surdez), vulnerabilidade (medo pelo reconhecimento de sua vulnerabilidade) e confusão;
  • Quebra dos laços comunicacionais que se haviam estabelecido, no desconhecimento de qualquer situação “anómala” – Os pais, ao terem certeza da surdez do filho, passam a sentir ‘pena’ da criança olhando-a com tristeza, tendendo a culparem-se e passando a sentirem-se pouco à vontade ao brincar com um filho que não escuta;
  • Sensação de incapacidade, o que pode conduzir a delegar a total responsabilidade da educação do seu filho. Tal afastamento, ainda que temporário, gera dificuldades na adequada interacção com a criança, numa etapa da sua vida em que tal é fundamental.


Aquisição de valores e regras sociais[editar]

Com a criança ouvinte, a linguagem assume um papel importante no contexto dessa transmissão conduzindo, de uma forma natural, contínua e quase imperceptível, a uma rápida absorção e integração no seu padrão comportamental. Na criança com surdez, porque a informação chega fragmentada, alguns dos valores que exprimem concepções morais, filosóficas e outras tornam-se impenetráveis, devido às dificuldades que ela apresenta na abstracção. Daqui resultam, muitas vezes, comportamentos considerados desajustados, instáveis, rebeldes ou agressivos. Em parte, eles são uma consequência da dificuldade de exprimir, convenientemente, as suas emoções devido ao défice de linguagem verbal.

É usual criar-se, no interior da família, uma atitude de super-protecção onde se aceitam, como normais, certos comportamentos da criança Surda que se recusariam no caso dela ser ouvinte. Os pais parecem ter medo de estabelecer regras, alegando a deficiência do filho, o que dificulta a sua percepção de normas sociais. Por outro lado, assiste-se, frequentemente, a uma dificuldade ou mesmo ausência de explicação, por parte dos pais, dos motivos de determinados comportamentos seus e dos outros, o que conduz a que o Surdo não os entenda, como se pode observar no relato da actriz Surda Emanuelle Laborit : “E de repente ele desaparece. Farto-me de chorar. Houve um mal-entendido, não nos compreendemos. O meu pai foi-se embora e eu fiquei para ali sozinha a chorar. A chorar por causa da nossa incompreensão ou por ter ficado sozinha? Ou porque ele desapareceu? Creio que choro sobretudo por causa do mal-entendido”. Pode dizer-se que a dificuldade de comunicação oral entre pais ouvintes e filhos Surdos vai condicionar a relação interpessoal que fica, por vezes, restrita a aspectos funcionais do dia-a-dia. As consequências que daí advêm para a consciência do seu papel no grupo familiar e social repercutem-se, posteriormente, no comportamento social, na escola. Na adolescência e juventude surgem outras situações complexas, nomeadamente, a consciência de si próprio e da sua identidade enquanto pessoa e enquanto Surdo. Daí, ser muito comum, nesta altura, a criação de grupos exclusivamente de Surdos, não obstante terem feito todo o seu percurso escolar integrados, com ouvintes, em escolas regulares. A facilidade de comunicação advinda da utilização da Língua gestual acentua esta tendência gregária que se relaciona, claramente, com a necessidade de identificação com outros que tenham as mesmas características. Por outro lado, é igualmente fundamental o contacto com Surdos adultos. Laborit refere uma situação semelhante com a sua visita à Universidade Gallaudet, situada em Washington D.C. e que é uma das raras Universidades do mundo só para Surdos. Afirma Laborit: “aquilo que eu compreendi de imediato foi que não estava só no mundo. Revelação que foi um choque. Um deslumbramento. Eu, que me julgava única e destinada a morrer criança, como imaginam tantas crianças Surdas, descubro que tenho um futuro possível, uma vez que Alfredo é adulto e Surdo”. Esta construção identitária faz-se, também, na medida em que o próprio envolvimento familiar, escolar e social entende que o Surdo não é um ouvinte imperfeito, mas alguém com características linguísticas e culturais próprias.

Fontes e bibliografia[editar]

  • Sim-Sim, Inês. A Criança Surda – Contributos para a sua educação. Fundação Calouste Gulbenkian – Textos de Educação. 2005. (ISBN 972-31-1110-1)
  • Reflexões sobre a Surdez – A problemática Específica da Surdez. Gailivro. 2008 (ISBN 989-557-349-3)


VEJA MAIS SOBRE OS SURDOS

Línguas de Sinais
LIBRAS | LGP
Língua de sinais | Lista de línguas gestuais


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