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Corrupção no Brasil Colônia

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Aqueles que se preocupam com a história do Brasil, desde quando o país foi colônia de Portugal e até aos dias de hoje, não deixam de atestar a existência da corrupção como um de seus fatores de perversão da política e de estagnação econômica. Os historiadores, em especial, buscam nos diferentes contextos a especificidade do que cada época histórica conferiu a determinados conceitos. O significado da corrupção sofreu várias transformações ao longo do tempo e no Brasil Colônia, dos séculos XVI a inícios do XIX, seu sentido foi alterado na medida em que as distâncias geográficas se mostravam muito amplas e a comunicação com o Reino foi irregular e difícil de se realizar.

Os dicionários da época[editar]

Vocabulario Portuguez e Latino, publicado no início do século XVIII, considerado o primeiro dicionário da língua portuguesa, já citava verbetes como "corrupto".

Assim como hoje em que as pessoas procuram os dicionários para entender o significado das palavras, também para conhecermos o que no passado, em especial do século XVI e inícios do XIX, quando o Brasil foi colônia de Portugal se entendeu por corrupção, os estudiosos do período seguem alguns caminhos. Entre eles, os manuscritos da época, tais como os dicionários que permitem compreender a lógica de funcionamento e os sentidos atribuídos a cada palavra, objeto, conceito, sentimento, entre outras questões, de uma dada sociedade. Um dos dicionários mais importantes do período é o Vocabulario Portuguez e Latino de Raphael Bluteau publicado em Coimbra no ano de 1712. Trazendo verbetes como corrupto, corruptor e corruptela, este homem de letras conferiu à corrupção o seguinte significado: suspensão do concurso conservativo e introdução de qualidades alterantes e destrutivas. A corrupção dos costumes, do juiz e das palavras são os exemplos de que Bluteau dispõe. É importante lembrar que este significado permaneceu estável desde o século XVI até a segunda metade do século XVIII quando começa a sofrer um deslizamento semântico.

António de Morais Silva foi outro dicionarista que compilou as palavras que circulavam em seu tempo. De 1789, seu dicionário que também traz os verbetes corrupção, corrupto e corruptela, compreende corrupção como o estado da coisa corrupta ou corrompida; a alteração do que é reto e bom em mau e depravado.[1] Percebe-se que corrupção neste período é uma consequência e não a própria prática ilícita, definição que só pode ser entendida quando se conhece o contexto da Época Moderna. A corrupção do gosto, dos costumes, das palavras, bem como a corrupção da carne morta e das águas encharcadas moldavam o seu entendimento e seus exemplos sobre este conceito. Em 1832, já primeira metade do século XIX, Luiz Maria da Silva Pinto foi mais daqueles sujeitos que se atentou às palavras e às coisas de seu contexto[3]. Corrupção significou neste período corrompimento, prevaricação e alteração. Destaca-se também o verbete corruptela: abuso das leis e bons costumes. Ou seja, como se vê, corrupção nesta época é a própria prática ilícita e não como antes e o que se dá a entender nos dois outros dicionários: o efeito de uma ação. Até hoje, portanto, quando se faz referência à corrupção, fala-se das práticas e ações ilícitas.

Contexto ibérico[editar]

A sociedade do que se chama hoje em dia nas obras de historiografia de Época Moderna, isto é, a que viveu entre os séculos XVI e XVIII, e que se estendeu pelo menos até às primeiras décadas do século XIX, tinha outros padrões de comportamento e lógicas de funcionamento. Separados por trezentos anos, o tempo atual e o deste período tem diferenças, porém para que se possa produzir interpretações acerca deste período recuado, o historiador tem que encontrar semelhanças com o seu contexto. As rupturas e as continuidades da história também são importantes para se compreender a corrupção no Brasil Colônia. Os estudiosos que partem do seu presente para buscar questões no passado brasileiro ou de outras nações problematizam os contextos históricos e, neste caso, podem confirmar pelo cruzamento de suas variadas fontes que a corrupção percorreu um longo caminho no Brasil, porém que ela não é única, não é recente e, além das semelhanças com os dias de hoje, seu significado só faz sentido quando se entende o contexto maior daquela época. Na Península Ibérica e em suas colônias, ou seja, o que se pode chamar de "mundo ibérico", o conceito de corrupção era tópico, ou seja, um conjunto de formulações que os seus habitantes naquele tempo acionavam quando queriam fazer referência a ilicitudes. Os muitos e variados conteúdos da corrupção naquele período abrangiam o campo político, médico e dos costumes. Quando, na documentação daquela época, se mencionam fraudes, excessos, prejuízos, malversação, abusos, bem como contrabando, enriquecimento ilícito, venalidade de cargos e seus efeitos para a saúde da comunidade política, referia-se à corrupção. O efeito das consideradas práticas ilícitas, e não como na atualidade, em que a própria prática é ilícita, fazia vir à tona este específico conceito de corrupção.[2]

De generatione et corruptione, com a efígie de Tomás de Aquino celebrando a liturgia. Aquino tratou da moralidade e da ética em sua obra Suma Teológica, que influenciou pensadores e religiosos da Ibéria.

Derivando do latim, corruptione, a degeneração e a decomposição do corpo místico/político da res publica eram iniciadas pelas consequências daquelas consideradas ilicitudes, que se explicam porque naquela época a sociedade se entendia como corpo. Os historiadores portugueses, em especial António Manuel Hespanha, na análise do período, formularam o que se convencionou há historiografia a chamar de paradigma corporativista[5]. Os tratadistas políticos e morais dessa época, como Covarrubias Orozco, Diogo do Couto, Saaverdra Fajardo, António de Guevara e Castillo de Bobadilla, refletiam em sua literatura de tipo arbitrista, apontavam os erros e buscavam soluções para a comunidade política a partir desse específico entendimento. Ou seja, tal como o corpo humano, em que cada uma das suas partes tem uma função específica, o corpo político da República também teria. O rei, aquele que conduz os seus vassalos, era a cabeça deste corpo e os outros homens e mulheres, como os camponeses, escravos e trabalhadores na cidade, eram as suas demais partes. A doença que afeta o corpo humano e a que afeta o corpo da República, ou seja, o efeito da corrupção, deveria ser sanada pela prescrição dos seus remédios. Rememorando os exemplos clássicos e cristãos, aqueles que escreveram sobre o tema voltaram a Cícero e à queda do Império Romano para tentar entender o que acontecia em momentos de crise em que o excesso de práticas ilícitas parecia colocar tudo a perder. A história como mestra da vida, isto é, a que aconselha o presente, era tão importante como a profilaxia das ilicitudes. O princípio do bem comum, a finalidade da comunidade política, e a manutenção da justiça, atribuições do príncipe, eram desvirtuadas à medida que a corrupção se espalhava. As fraudes e o roubo aos cofres reais, um dos muitos repertórios que acionavam a corrupção, colocavam em alerta o monarca e os seus conselheiros. Diferentemente da atualidade, em que a corrupção se concentra nas esferas da política e da economia, naquela época, além delas, as ilicitudes comportavam também as dimensões religiosas e dos costumes.[carece de fontes?]

A riqueza ou a pobreza em excesso, a avareza do rei, a existência de judeus e mouros no Reino de Portugal e Espanha geravam também efeitos de corrupção que se fundamentavam nos ensinamentos da Segunda Escolástica. Este sistema de pensamento que informou os homens de letras e religiosos da Península Ibérica floresceu no século XVI quando em Salamanca e Alcalá de Henares, entre outros locais, homens como Juan de Mariana, Francisco de Vitória e Francisco Suárez reavivaram Tomás de Aquino. Harmonizando a cidade de Deus e a cidade dos homens, assim como os textos de Aristóteles aos preceitos cristãos, a base daquela sociedade assentou-se no bom governo, no bem comum e na justiça. Já o seu contrário e depravação, consistia no mau governo e na corrupção.[carece de fontes?]

O contexto colonial[editar]

Portugal e Espanha do século XVI em diante se lançaram aos oceanos buscando novas possessões. Os territórios ultramarinos ou as colônias do além-mar e os nascidos nestas partes também se influenciaram por este universo discursivo e prático que compreendeu este característico conceito de corrupção. A especificidade da colônia consistia nas distâncias geográficas, na entrecortada comunicação do centro político, Lisboa, com as capitanias e, o mais importante, o abismo que se verificava entre a ele e a prática. A sociedade que aqui se estabeleceu redimensionou suas experiências, apropriou as situações que lhe foram oferecidas e ressignificou à luz do seu contexto o que se entendia por corrupção. Os historiadores do Brasil Colonial pelo menos desde Caio Prado Júnior e Fernando Antônio Novais tangenciaram este tema, mas somente agora eles se importaram em compreender o seu significado para os sujeitos daquela época. Os trabalhos de Paulo Cavalcante – Negócios de Trapaça: Caminhos e desacaminhos na América Portuguesa (1700-1750) – e Adriana Romeiro – Corrupção e poder no Brasil: Uma história, séculos XVI a XVIII – se voltaram para este aspecto tão importante de nossa história, dedicando-se a entender as práticas e redes de relações políticas e sociais que são chaves para se decifrar a sociedade colonial que não somos mais, mas que guardamos em algum aspecto semelhanças com ela[6].

Dessas análises e da documentação que se consulta nos arquivos portugueses e brasileiros, fica claro que a corrupção está entre as preocupações daqueles homens e mulheres inseridos em todos os espaços sociais. Em uma sociedade como aquela marcada por desigualdade social, em que o dar a cada um aquilo que é seu por direito implica conscientes e reafirmadas diferenças jurídicas, a corrupção variou de acordo com as posições dos sujeitos e seus estatutos sociais. Ou seja, do monarca aos contratadores passando pelos governadores e seus secretários de estado, os sentidos da corrupção implicavam jogos de poder e política que definiam os lugares comuns dentro de sua estrutura social. Neste período em que a força da tradição e dos costumes, bem como o direito adquirido, local e as chamadas redes clientelares eram mais decisivas que a lei, que previam punições àqueles que dela se desviassem, práticas consideradas ilícitas poderiam se justificar nestes mecanismos menos informais[7].

Àquela época a legislação ainda se chocava com os usos e costumes da terra, de modo que, concordam os historiadores, a lei ainda não havia sido internalizada ou os seus ecos não se queriam ouvir. Somente com a instituição da Lei da Boa Razão em 1769 já no contexto do reinado de D. José I quando Sebastião José de Carvalho e Melo, o futuro Marquês de Pombal implementou reformas nos sistemas político-administrativos, econômicos e, neste caso, dos costumes, foi proibido fazer uso da força da tradição para referendar os comportamentos. Mesmo assim esse esforço por disciplinarizar os comportamentos dos oficiais régios ainda demoraria muito para se efetivar. Nas franjas do Império, como se dizia naquele tempo, e longe do bafo do rei, raramente se procurava a letra da lei.

Mais comum era, no entanto, fazer valer os mecanismos informais que legitimavam aqueles comportamentos e, no fim das contas, constrangiam os imperativos dos oficiais. Público e notório, ou seja, como salienta a historiadora equatoriana Pilar Ponce Leiva, eram as ilicitudes que não se concentravam apenas na esfera da administração, mas se difundiam por todas as esferas[8]. Eminentemente social, o que não quer dizer que toda a sociedade do período seja corrupta, tais práticas, como apontou o estudioso do Império Espanhol Michel Bertrand, não podem ser deixadas de serem levadas em conta quando se quer compreender o mundo colonial[9]. Práticas sociais em si mesmas, as ilicitudes abrem o leque para o entendimento do que a toda classe de abusos, excessos, malversações, exações que os oficiais cometiam contra os seus administradores se chamou na Época Moderna de corrupção.

Costumes e tradição, redes clientelares e diferentes instâncias, menos formais, e as interpretações de cada caso, isto é, a dissimulação, no Brasil Colônia de complexos entendimentos, como atestam os historiadores, são os ingredientes que transparecem quando na documentação do período chama a atenção uma prática que aparentemente não é ilícita, mas que pode desembocar em corrupção.

As obras de historiografia[editar]

A historiografia brasileira há pouco tempo tem se dedicado a estudar a corrupção na colônia. O grande centro de produção desse tema está na historiografia espanhola e os historiadores que sobre o Império Espanhol se debruçam são atualmente aqueles que lançam as bases para as interpretações. Objeto de pesquisa bem consolidado e fruto de variados debates, o estudo da corrupção nesse país já não se volta para a sua existência ou não no período moderno, mas para as estratégias e os mecanismos de controle implementados pela Coroa espanhola. Superada a crítica dos estudiosos que não acreditavam se poder aplicar o conceito para esta época, pois àquele tempo não se distinguia entre as esferas do público e do privado, os pesquisadores da corrupção mostraram que esta foi mais uma projeção contemporânea dos valores liberais para o mundo moderno, ou seja, um anacronismo. A Época Moderna distinguiu esferas do público e do privado, porém à sua maneira e, portanto, à luz da historiografia da corrupção, o historiador que mobiliza sua teoria e metodologia trabalha em variados eixos de análise.

De acordo com Adriana Romeiro, em livro lançado em 2017 e que é um dos precursores para o tema na historiografia brasileira, um enfoque afeito à corrupção da Época Moderna tem no horizonte de pesquisa o imaginário político do período, posto que a partir da corrupção se levantam problemas relativos ao bom governo, à natureza e a moralidade do serviço régio[10]. Pode enfatizar também o âmbito da administração e das práticas governativas porque as “formas de atuação dos agentes e a articulação das relações sociais no seio das instituições” se desvelam, bem como a esfera econômica, na confluência dos “mecanismos de acumulação e circulação dos capitais entre cento e periferia”. Por fim, o campo jurídico em que os “usos dos dispositivos legais para regulamentação dos comportamentos do oficialato régio podem ser inferidos”. A corrupção é, assim, um problema de história cultural que é interpretado e ressignificado de acordo com os balanços dos diversos discursos apoiados em um mesmo repertório de enunciados.

Retrocedendo à década de 1980 é importante frisar as contribuições que o historiador alemão Horst Piestchmann trouxe ao debate da corrupção no mundo colonial[11]. Abandonando em certa medida a perspectiva anterior que não se importou em entender como os sujeitos à época interpretavam este conceito, Pietschmann, assim como Michel Bertrand já na década de 1990, marcaram sua importância quando trouxeram às análises a existência de um limite de tolerância e de uma linha que demarcava a idoneidade e o que, de fato, considerou-se rapacidade aos olhos das Coroas portuguesa e espanhola. Isto é, a corrupção neste período e esta é grande linha de investigação que até hoje se fia a historiografia do tema, tinha uma função política naquela sociedade uma vez que propiciava a distensão do sistema colonial. Facilitando os equilíbrios de interesses e a manutenção dos Impérios a partir de processos de negociação, o que não retira a característica da dominação colonial, a corrupção e as práticas a ela conectadas somente incomodavam o monarca do outro lado do Atlântico quando eram excessivas, públicas e notórias e atentavam contra a Fazenda Real.

O caso de Felisberto Caldeira Brant[editar]

O terceiro contrato dos diamantes do Distrito Diamantino, que vigorou entre os anos de 1749 a 1753, foi administrado por Felisberto Caldeira Brant. Acusado, condenado e preso pelo crime de descaminho e contrabando de diamantes, desrespeito às cláusulas do contrato e roubo aos cofres da Fazenda Real, sua trajetória se associa ao que à época em que esteve à frente deste monopólio régio se entendeu por corrupção e moralidade na administração colonial. Nascido nas Minas em 1710, este sujeito sempre esteve envolvido em querelas e contendas com os representantes da Coroa. Caldeira Brant, assim, já em meados da década de 1730 envolveu-se, sempre na companhia de seus irmãos, em uma emboscada contra o ouvidor da comarca do Rio das Mortas, Antônio da Cunha Silveira[12]. Livres de culpas, deslocaram-se para a região de Paracatu e, posteriormente, para as minas de Goiás onde se enriqueceram minerando ouro e diamantes. Junto aos potentados locais, experiente nas lides da mineração e detentor de grossos cabedais, como era típico no período, Felisberto Brant enviou ao rei D. João V um pedido de benesse ou mercê, recebendo, em 1747, o título de capitão de cavalos de São Luís e Santa Ana do Paracatu[13].

Almejando ascensão social e os imperativos de honra e prestígio, os fatores de distinção daquela sociedade, interessou-se em arrematar o contrato dos diamantes que se encerraria em dezembro de 1747. O sargento-mor João Fernandes de Oliveira, arruinado, não se interessou em arrenda-lo pela terceira vez. Indo ao Tejuco ao encontro do então governador da capitania, Gomes Freire de Andrade, Brant encabeçou o contrato junto de Alberto Luiz Pereira, seu sócio. O início da administração deste estanco régio foi próspero para o contratador pois, de acordo com Júnia Ferreira Furtado, o então intendente dos diamantes, Plácido de Almeida Moutoso, e o seu interino, Francisco Moreira de Matos, não cumpriam com a fiscalização dos rios e córregos diamantinos, pois compartilhavam de relações de compadrio e apadrinhamento com Brant[14]. Felisberto Caldeira Brant, contra as condições do contrato, minerava em áreas proibidas e reservadas aos contratos futuros, empregava escravizados para além dos seiscentos permitidos nas lavras diamantinas e, o mais grave, comerciava as melhores pedras auferindo vultosos lucros fraudando os cofres da Fazenda Real. Tudo pareceu mudar quando chegou à Demarcação Diamantina em 1751 o novo intendente dos diamantes Sancho de Andrade Castro e Lanções. Passando em revista os comportamentos de Felisberto, Lanções exigiu do contratador a apresentação das listas das falhas do contrato, isto é, a garantia prevista em lei para que os contratadores pudessem repor no mês seguintes os escravizados fugidos, mortos ou doentes. Lista que Felisberto Caldeira Brant fraudava à luz do dia, ou seja, era público e notório que o contratador prejudicava os negócios do rei, pois minerando com até dois mil escravizados e não com os seiscentos permitidos, Felisberto prejudicava os negócios do rei[15].

Estas duas autoridades da região passaram, então, a entrar em conflito aberto. Felisberto Brant e Sancho Lanções destoavam em seus discursos, não compunham uma mesma rede clientelar e, por isso mesmo, eram desafetos declarados. Em 1752, um malfadado roubo ao cofre dos diamantes mudou a sorte do contratador. Este, ao que tudo indica, criou uma armadilha para que o intendente fosse colocado sob suspeita junto ao governador da capitania, à época o interino José Gomes Freire de Andrade, e até o próprio rei. Queixando-se pela falta de vinte e três oitavas de diamantes do cofre, jogou as culpas em Lanções já que toda a vez que se tocava no tema parecia “tenso e pálido”. Aberta a devassa pelo ouvidor da comarca do Serro do Frio, José Pinto de Moraes Bacelar, para a apuração do caso, arroladas as testemunhas, teve-se a certeza, atestada por homens peritos na talha da madeira, que o cofre e seu segredo jamais foram arrombados. Ou seja, caía por terra a versão do contratador e as suspeitas de fraude se voltaram a partir deste momento sobre ele[16]. Da metade para o fim deste ano, a tensão crescia na Demarcação, porém em Janeiro de 1753 ela chegou em seu ápice. Fora descoberta em Lisboa uma nau carregada com cerca de três mil quilates de diamantes fora dos cofres que algumas das testemunhas “ouviram dizer” terem sido compradas junto ao contratador Brant e outro terem mesmo comprado de seu sócio, o Doutor Alberto Luiz Pereira. A gravidade deste caso despertou a atenção do monarca, pois um negócio tão importante para a Fazenda Real estava em risco. Abertas as devassas, tudo veio à tona: Felisberto Caldeira Brant encabeçava uma quadrilha de contrabandistas que extraviavam diamantes do Distrito Diamantino, enviam as pedras ao Rio de Janeiro e daí para Lisboa onde eram revendidas para os comerciantes, em especial os cristãos-novos da Holanda e da Inglaterra.

Na documentação disponível no Arquivo Histórico Ultramarino, nomeadamente nos Manuscritos Avulsos de Minas Gerais, a tópica da corrupção se faz presente. Em carta de José Pinto de Morais Bacelar, o ouvidor apontava que por serem presentes os grandes descaminhos que havia deito o contratador dos diamantes Felisberto Caldeira Brant na venda de diamantes por ele e seus sócios, deixando-os de os meter no cofre contra as condições e arrecadação do contrato, com prejuízo da Real Fazenda e dos seus fiadores e credores; assim como quando diz D. José I em instruções para o proceder da devassa que sendo a ele presente as fraudes, descaminhos e malversações de Felisberto Caldeira Brant e seu sócio Alberto Luiz Pereira, e considerando a gravidade das referidas fraudes não só pelo prejuízo que envolveu a Real Fazenda, mas também os cabedais dos particulares que em boa fé concorreram para as despesas do contrato, mas também pelo público escândalo que dela resultou, Felisberto Caldeira Brant foi qualificado como homem corrupto de acordo com os padrões morais daquele período aos olhos da Coroa portuguesa[17]. O rei, para evitar um maior escândalo junto aos homens de negócio portugueses e às Praças estrangeiras, assumiu as dívidas do contratador, pagou as letras de crédito que os caixas assistente do contrato no Reino haviam protestado e, no apagar das luzes, tornou-se o seu único credor.

Problema individual com implicações políticas nesta época, para Caldeira Brant sua atuação não deveria ser posta no campo da corrupção. Em seus discursos de defesa, o já ex-contratador alegava ter somente seguido a prática comum, ou seja, Felisberto dizia ter feito o mesmo que o antigo contratador, o sargento-mor João Fernandes de Oliveira, que nunca foi formalmente acusado[18]. Tradição, costumes e a sustentação de uma rede clientelar estão diretamente implicadas, assim como salienta a historiografia, no entendimento da corrupção na colônia. De nada adiantaram as súplicas de Felisberto Caldeira Brant que se dizia a todo momento ser um fiel súdito de el Rei. Preso de 1754 a 1769, na Ilha das Cobras no Rio de Janeiro e na Prisão do Limoeiro em Lisboa, Brant, como fica claro, excedeu-se nas práticas que foram consideradas ilícitas ao mesmo tempo que à voz pública corriam suas ações e, o mais grave, vilipendiou os cofres da Fazenda Real. Desvirtuado o bem comum e a justiça, o limiar do limite das tolerâncias e dos excessos condenados foi ultrapassado. Felisberto Caldeira Brant é um exemplo de como a complexidade da corrupção no Brasil Colônia pode ser examinada.

Referências

  1. SILVA, Antonio Moraes (1789). Officina de Simão Thaddeo Ferreira, ed. Diccionario da lingua portugueza. Lisboa: [s.n.] 
  2. ROMEIRO, Adriana. «A corrupção na Época Moderna – conceitos e desafios metodológicos» (PDF). Revista Tempo. Vol. 21 n. 38: 217-237 

Bibliografia[editar]

[3] PINTO, Luiz Maria da Silva. Diccionario da Lingua Brasileira por Luiz Maria da Silva Pinto, natural da Provincia de Goyaz. Na Typographia de Silva, 1832.

[5] HESPANHA, António Manuel e XAVIER, Ângela Barreto. A representação da sociedade e do poder: paradigmas políticos e tradições literárias. In: MATTOSO, José (dir). História de Portugal. Lisboa: Estampa, 1993, Quarto Volume: O Antigo Regime.

[6] PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil Contemporâneo. São Paulo: Brasiliense, 1979; NOVAIS, Fernando A. Portugal e Brasil na crise do antigo sistema colonial (1777-1808). 2. ed. São Paulo: Hucitec, 1983. 420 p.CAVALCANTE, Paulo. Negócios de trapaça: caminhos e descaminhos na América portuguesa (1700-1750). São Paulo: Hucitec, 2006. 272 p. e ROMEIRO, Adriana. Corrupção e poder no Brasil: Uma história, séculos XVI a XVIII. Belo Horizonte: Editora Autêntica, 2017.

[7] HESPANHA, António e XAVIER, Ângela Barreto. As redes clientelares. In: MATTOSO, José (dir.). História de Portugal. Lisboa: Estampa, 1993, Quarto Volume: O Antigo Regime.

[8] PONCE LEIVA, Pilar. Percepciones sobre la corrupción en la Monarquía Hispánica, siglos XVI a XVII. In: CASTILLO, Francisco Andújar y PONCE LEIVA, Pilar (eds.). Mérito, venalid y corrupción, siglos XVII y XVIII. Valencia: Albatroz, 2016; PONCE LEIVA, Pilar. Acusaciones de corrupción y prácticas sociales infamantes. Quince años em la vida de Agustín Mesa y Ayala (1670-1685), contador de la Real Hacienda de Quito. Revista Complutense de Historia de América. N. 43. 2017, p. 49-74 e PONCE LEIVA, Pilar. Mecanismos de control de la corrupción en la Monarquía Hispánica y su discutida eficacia. In: CASTILLO, Francisco Andújar y PONCE LEIVA, Pilar (eds.). Debates sobre la corrupcion en el mundo ibérico, siglos XVI a XVIII. Madrid, 2018. p. 341-352.

[9] BERTRAND, Michel. Grandeza y miseria del oficio - los oficiales de la Real Hacienda de la Nueva España, siglos XVII y XVIII. México: Fondo de Cultura Economica, 2011e BERTRAND, Michel. Viejas perguntas, nuevos enfoques: la corrupción en la administración colonial española. In: CASTILLO, Francisco Andújar y FELICES DE LA FUENTE, María del Mar (eds.). El poder del dinero: ventas de cargos y honores em el Antigo Régimen. Biblioteca Nueva, 2011. p. 46-62.

[10] ROMEIRO, Adriana. Corrupção e poder no Brasil: Uma história, séculos XVI a XVIII. Belo Horizonte: Editora Autêntica, 2017.

[11] PIETSCHMANN, Horst. Corrupción en las Indias españolas - revisión de un debate en la historiografía sobre Hispanoamérica colonial. In: PIETSCHMANN, Horst; COMÍN, Francisco; PÉREZ, Joseph. Instituciones y corrupción en la historia. Valladolid: Universidad de Valladolid, 1998, pp. 31-52.

[12] Arquivo Histórico Ultramarino. Manuscritos Avulsos de Minas Gerais. Caixa 17, Documento 35 e Cx.: 20, Doc.: 5.

[13] AHU. MAMG. Cx.: 76, Doc.: 45 e Arquivo Nacional da Torre do Tombo. Registro Geral de Mercês. Livro 37, fl. 90.

[14] AHU. MAMG. Cx. 63, Docs.: 29 e 36. FURTADO, Júnia Ferreira. O labirinto da fortuna; ou os revezes na trajetória de um contratador de diamantes. História: Fronteiras. V. II. Anais do XX Simpósio Nacional da Anpuh. São Paulo: Humanitas. FFLCH-USP, 1999. pp. 309-319.

[15] AHU. MAMG. Cx.: 67, Doc.: 37.

[16] AHU. MAMG. Cx.: 60, Doc.: 29.

[17] AHU. MAMG. Cx.: 63, Docs.: 01 e 28.

[18] AHU. MAMG. Cx.:66, Doc.: 47.


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