Cura da Terra
Cura da Terra foi o tema do Encontro Global de Mulheres Indígenas ocorrido em 5 de setembro de 2020, o Dia Internacional das Mulheres Indígenas e, também, Dia Internacional da Amazônia.[1] Participaram do evento 267 mulheres líderes indígenas de 116 etnias e 37 países diferentes reunidas em um grande círculo de conversas que buscou refletir sobre temas como a emergência climática, o ecocídio e o genocídio de povos nativos ao redor do mundo em meio a pandemia de COVID-19. Por conta das medidas de isolamento social, o evento foi realizado através da internet. A importância do encontro pode ser observada na sua dimensão global que conectou mais de 11.000 pessoas de múltiplos idiomas e reuniu, de forma inédita, mais de duas centenas de lideranças femininas indígenas de diversas etnias e países. Na ocasião, um manifesto político foi lançando com o mesmo nome do evento, "Cura da Terra".[2] O Encontro foi promovido pela Red Latinoamericana de Feminismos (ELLA), uma articulação transnacional de mulheres latino-americanas criada no ano de 2014. A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e o coletivo Mídia Índia também fizeram parte da organização do evento. A escassa noticiação do encontro pelas instâncias midiáticas inscreve-se em panorama mais amplo de silenciamento das mulheres indígenas que reverbera em outras instâncias de transmissão de informação.[3]
"A Cura da Terra" é, também, título do livro infantil da escritora, poetisa e ativista indígena Eliane Potiguara, publicado no ano de 2015.[4]
Contexto de mobilização[editar]
A organização e realização do Encontro Global de Mulheres Indígenas circunscreve-se em um contexto mais amplo de mobilização de populações nativas do Brasil em luta por seus direitos. Apesar de organizados formalmente em assembleias, articulações e redes de atuação política desde a década de 1970,[5][6] os povos indígenas mobilizaram-se em defesa de suas culturas desde o início da colonização do Brasil.[7][8] Durante o século XX, tiveram especial atuação na Constituinte de 1987[9][10] através da elaboração do capítulo sobre Direitos Indígenas[11] e, também, em diversos episódios emblemáticos como o o discurso de Ailton Krenak no Congresso Nacional[12][13] em 1987 e o protesto de Tuíre Kayapó[14][15] contra a construção da Usina de Belo Monte em 1989. Nesta mesma época despontou um grupo importante para história do movimento de mulheres indígenas no Brasil: a Rede GRUMIN de Mulheres Indígenas fundada por Eliane Potiguara em na década de 1980.[16] Vale destacar, também, a criação do Conselho Nacional de Mulheres Indígenas (CONAMI) no ano de 1985.[17]
Desde então, foram muitos os episódios, eventos e fatos importantes para a luta dos povos indígenas no Brasil, em especial, das mulheres nativas, que confluíram no acontecimento do encontro "Cura da Terra". Em relação ao século XXI, pode-se traçar alguns marcos importantes:
- 2005 - Fundação da Articulação de Povos Indígenas do Brasil durante o Acampamento Terra Livre daquele ano com o objetivo de fortalecer a união dos povos indígenas das diferentes regiões e organizações do país, bem como, mobilizar estes grupos e sujeitos contra as ameaças e em prol de seus direitos.[18]
- 2017 - Expressiva participação feminina no Acampamento Terra Livre. Cerca de mil mulheres indígenas se reuniram em uma grande plenária para discutir a saúde da mulher indígena e a articulação nacional da luta das mulheres indígenas.[19][20]
- 2019 - Mais de 3 mil mulheres indígenas estiveram presentes na 1ª Marcha das Mulheres Indígenas no dia 13 de agosto de 2019.[21] Com o tema "Território: nosso corpo, nosso espírito" o evento foi um dia histórico para a luta das mulheres indígenas.[22] No dia seguinte a esta marcha, as nativas somaram-se à tradicional Marcha das Margaridas.[23][24]
- 2020 - Por conta da pandemia de COVID-19, as mulheres indígenas organizaram-se em uma assembleia virtual nos dias 8 e 9 de agosto de 2020. Sob o tema “O sagrado da existência e a cura da terra”[25] deram continuidade à afirmação da relação íntima entre "corpo-território"[26] lançando pela primeira vez a ideia de "Cura da Terra" que posteriormente foi adotada com tema central do Encontro Global das Mulheres Indígenas.[27]
O Encontro[editar]
O Encontro Global de Mulheres Indígenas teve por objetivo colocar as vozes das mulheres indígenas no centro dos debates acerca dos desafios da pandemia de COVID-19 e da crise climática mundial.[28] O encontro contou com a participação de lideranças indígenas de diferentes povos provenientes de vários continentes, principalmente da América Latina, entre elas:[29]
- Sonia Guajajara (Guajajara, Brasil)
- Célia Xacriabá (Xakriabá, Brasil)
- Adriana Guzman (Aimará, Bolívia)
- Tsitsina Xavante (Xavante, Brasil)
- Nuria Gollo (Wayyu, Quênia)
- Watatakalu Yawalapiti (Yawalapiti, Brasil)
- Yolene Koteureu (Nova Caledônia)
- Patricia Gualingo (Quíchua, Equador)
- Eva Fjellheim (Sami, Noruega)
- María Choc (Q'eqchi, Guatemala)
- Aida Quilcué (Nasa, Colômbia)
- Rufina Villa Hernández (Maseual, México)
As atividades do evento foram transmitidas através da internet com traduções simultâneas foram realizadas entre as línguas portuguesa, inglesa e espanhol. Os vídeos do encontro foram hospedados no site oficial do encontro, bem como, através de canais do YouTube. Diversos coletivos de produção audiovisual e de mídia indígena de toda a América Latina apoiaram a realização do evento, dentre os quais pode-se citar a Mídia Índia.
Enlace global[editar]
Como o encontro aconteceu em meio a pandemia mundial de COVID-19, todas as suas atividades foram realizadas virtualmente e transmitidas ao vivo para todo o mundo. O evento contou com a participação simultânea de mulheres latino-americanas do Brasil, Bolívia, Argentina, Equador, Colômbia, Guatemala, México, entre outros países, mas, também, de mulheres nativas do Quênia, Nova Caledônia e Noruega.
O Manifesto[editar]
"A Mãe Terra está doente, nossos povos também. Estes são tempos de pandemia e emergência climática, ecocídio e genocídio. Hoje vivemos as consequências de um modelo econômico, social e espiritual que infectou nossos territórios e corpos. Um vírus que coloca o dinheiro acima da vida."
Um manifesto político foi lançando na ocasião do evento com o título "Cura da Terra".[2] Nele, as diversas mulheres indígenas participantes do encontro afirmaram coletivamente o seu protagonismo histórico e papel central na construção de um futuro melhor, não apenas para suas comunidades étnicas, mas, para toda a humanidade. Provenientes de várias etnias, destacaram sua diversidade e protagonismo como agentes da cura das enfermidades da Terra.[30]
Diante do incêndio, desmatamento e destruição dos biomas que habitam, alçaram a voz (em suas línguas nativas) para a defesa das florestas, lagos, montanhas, planícies, desertos e mares. Diante da pandemia de COVID-19 que, assim como as doenças dos tempos coloniais, assolaram especialmente as populações nativas,[30][25][31] as mulheres indígenas apontaram para a necessidade e importância da cura. Esta, segundo elas, deve ser entendida como a cura não só dos corpos humanos, mas também dos territórios nativos.[32][26] Ao final do documento, conclamaram a união das populações não-indígenas, uma vez que, acreditam que o futuro do planeta e da humanidade seja um bem coletivo independentemente de recorte de gênero ou etnia.[27]
Referências
- ↑ Givoni, Carolina (05 de setembro de 2020). «Encontro global de mulheres indígenas marca Dia Internacional da Amazônia». Revista Cenarium. Acessado em 05 de abril de 2021.
- ↑ 2,0 2,1 2,2 Encontro Global de Mulheres Indígenas (5 de setembro de 2020). «Manifesto: Cura da Terra». Consultado em 31 de março de 2021
- ↑ Silva, Flávia Campos (2018). Mulheres indígenas e os espaços midiáticos: uma reflexão sobre silenciamento, memória e resistência. Revista Latinoamericana de Estudios del Discurso, 18(2), pp. 23-41. Consultado em 05 de abril de 2021.
- ↑ «Escritora e ativista indígena Eliane Potiguara se encontra com estudantes do Bengui». Agência Pará de Notícias. Consultado em 5 de abril de 2021
- ↑ «Pesquisa recupera história do movimento indígena no Brasil». UnB Ciência. 5 de abril de 2011. Consultado em 2 de abril de 2021
- ↑ «Movimento e organizações indígenas no Brasil». Conselho Indigenista Missionário. 14 de julho de 2008. Consultado em 2 de abril de 2021
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