Hugo Furquim Werneck
Hugo Furquim Werneck
Médico ginecologista, formado em 1901 pela Escola Nacional de Medicina, nasceu no Rio de Janeiro em 28 de setembro de 1878 e faleceu em São Paulo em 19 de março de 1935. Casou-se com Dora Brandon Fernandes Eiras em 18 de junho de 1904. Em novembro de 1906, após tratar-se de tuberculose na Suíça, Hugo Werneck mudou-se para Belo Horizonte para complementar o tratamento.
O médico e a cidade
A história de Hugo Werneck de certa forma se confunde com a história dos primeiros anos da capital mineira. Forçado a abandonar sua cidade natal, sua família e uma carreira já encaminhada, investiu sua energia na construção de um futuro que, se não fosse igual, havia de ser pelo menos parecido com o que ele havia sonhado. Aqui nasceram onze de seus treze filhos.
Sua clínica particular, instalada inicialmente em sua própria residência, passou a ser referência na cidade. Participou da implantação da Santa Casa de Misericórdia. Posteriormente, a ela foram acrescentados a Maternidade Hilda Brandão e o Hospital São Lucas. Ajudou a fundar a Faculdade de Medicina, da qual se tornou professor dos mais conhecidos e respeitados. Como seu diretor, foi um dos fundadores, em 1927, da Universidade de Minas Gerais. Deu a Belo Horizonte o Sanatório Hugo Werneck, referência na época para o tratamento da tuberculose.
Participou também da fundação do Banco da Lavoura, do jornal Estado de Minas, do Automóvel Clube, do Rotary Club de Belo Horizonte. Foi por catorze anos membro e presidente do Conselho Deliberativo da cidade, o equivalente à Câmara dos Vereadores de hoje. Em 1934, candidatou-se e foi eleito deputado, mas não chegou a tomar posse.
Vítima de uma doença que se arrastava já por dois anos, limitando seus movimentos, precisou submeter-se a uma cirurgia em São Paulo. Durante a convalescença, foi acometido pela pneumonia da qual não se recuperaria. Foi enterrado em Belo Horizonte.
A família e a formação
O pai, Francisco Furquim Werneck de Almeida, era médico e político, nascido em 1846 na cidade fluminense de Vassouras, neto da baronesa e do barão do Paty do Alferes. Havia concluído o curso de medicina no Rio de Janeiro em 1869 e completado seus estudos em Viena, especializando-se em ginecologia. Acrescentava-lhe prestígio ter sido o introdutor da cesariana no Brasil e médico da princesa Isabel.
Francisco Furquim Werneck teve relevante participação política nos primeiros anos da República no Brasil. Eleito deputado federal integrou a primeira Assembleia Nacional Constituinte, em 1891. No governo do presidente Prudente de Morais, foi nomeado prefeito do Distrito Federal, no período de 1895 a 1897.Casou-se com sua prima Hortense Josefina Teixeira de Almeida, neta dos barões de Itambé, e tiveram oito filhos.
Hugo Furquim Werneck iniciou seus estudos em uma escola primária na rua São Clemente, em Botafogo. A educação tradicional que recebera em casa seria completada com os ensinamentos dos jesuítas, primeirono Colégio Anchieta, em Nova Friburgo, no estado do Rio de Janeiro, em seguida no Colégio São Luís, em Itu, interior de São Paulo, onde concluiu os estudos secundários. Em 1895, havia retornado ao Distrito Federal e estava matriculado na Faculdade de Medicina.
Antes mesmo de se formar, em 1900, aos 22 anos de idade, já atuava entre os futuros colegas. Freqüentava a Santa Casa de Misericórdia e, ao lado do pai, trabalhava na Casa de Saúde Catta Preta, Marinho e Werneck, criada pelo doutor Francisco e por dois outros médicos, Lucas Antônio de Oliveira Catta Preta e João Marinho de Azevedo.
Recém-formado, Hugo logo já estava empregado em hospitais e maternidades do Rio e de Niterói, como o Hospital de Jurujuba e a Maternidade de Laranjeiras. Ali começou a mostrar que além de médico tinha alma de administrador, pois se preocupava com a organização e com o desenvolvimento dos locais em que trabalhava.
A carreira interrompida e os meses de tratamento na Europa
Em 1906, o cansaço e a doença vieram interromper temporariamente a carreira do médico. Debilitado pela estafante rotina de trabalho, Hugo Werneck caiu doente, vítima de tuberculose. Em 4 de julho, seguiu com o pai para a Europa, onde, de agosto a outubro, passou por tratamento no Sanatório de Inner-Arosa, na porção alemã da Suíça.
Antes de chegarem a esse destino, pai e filho percorreram a Europa, visitando alguns dos melhores hospitais do mundo à época. O que Hugo veria ali seria muito útil em sua carreira, acrescentando noções de boa administração hospitalar ao conhecimento médico que já possuía.
No sanatório em Arosa durante dois meses o doutor Hugo passou por uma rotina de repouso, super alimentação, febre alta ou branda, consultas e procedimentos médicos. Ao mesmo tempo em que se tratava, aproveitava para aprender como funcionava a modelar instituição onde estava internado. Cada observação era cuidadosamente anotada em seu diário.
Ao final de sua estada, os médicos advertiram que seria bom ele permanecer mais um tempo no sanatório e sair completamente curado. Como não poderia ser assim, recomendaram que fosse descansar em local de bom clima, para se recuperar por completo. No fim da manhã de 21 de novembro de 1906, o doutor Hugo Werneck chegava sozinho à Belo Horizonte, com a recomendação de passar pelo menos dois anos de repouso, a fim de se recuperar e readquirir condições de trabalho para então poder voltar ao Rio de Janeiro.
Os primeiros anos em Belo Horizonte
Se nos primeiros anos do século XX a medicina em Belo Horizonte engatinhava, a partir de 1910 ela começou a dar seus passos – e alguns bem largos. Na maior parte deles, estava presente a figura do doutor Hugo Werneck, que misturava o gosto pela profissão com muito conhecimento e um espírito empreendedor que marcaria a sua atuação não só como médico, mas também como empresário e político.
Naquele início dos anos 1910, a modernização da Santa Casa, primeira ação de que participou na capital, estava completa. O “Pavilhão Hugo Werneck” havia sido inaugurado e a enfermaria de ginecologia, quase um projeto pessoal do doutor Hugo, estava instalada e era pioneira no Brasil. Até então as enfermarias de mulheres tratavam de todas as enfermidades, não apenas as ginecológicas.
Era obcecado com a questão da limpeza e da assepsia, e também com a qualidade dos equipamentos que seriam usados na Santa Casa, o que o fazia procurar importá-los dos mais importantes centros cirúrgicos do mundo.
Trouxe também preocupações do Rio de Janeiro do início do século XX, como o combate à varíola, liderado na capital federal por Oswaldo Cruz. Por determinação do doutor Hugo, todo paciente que passasse pela Santa Casa de Misericórdia de Minas Gerais deveria receber a vacina contra a doença.
Em 1912, ajudou a promover em Belo Horizonte o VII Congresso Brasileiro de Medicina e Cirurgia, que recebeu profissionais de todo o país. Hugo Werneck pôde, então, se orgulhar dos avanços que a cidade tinha a mostrar. As grandes intervenções abdominais e ginecológicas que realizava surpreenderam os visitantes. Médicos participantes afirmavam que nunca poderiam imaginar que numa cidade tão nova e tão distante dos grandes centros se realizassem tais façanhas, incomuns fora do Distrito Federal.
Ao lado de seu conterrâneo Eduardo Borges da Costa, Hugo Werneck inaugurou a medicina científica e a cirurgia em Belo Horizonte. Ambos são apontados também como os responsáveis pela especialização dos médicos da capital, além de serem dois dos mais ilustres professores da Faculdade de Medicina de todos os tempos.
Na Santa Casa de Misericórdia, eles dividiam um corredor que seria marcante para a medicina mineira, pelo avanço que nele se produziu e pelos nomes que por ali passaram e ali completaram a sua formação médica. Ficava na parte central do antigo prédio e tinha, de um lado, a enfermaria de mulheres, de Hugo Werneck, de outro a de homens, de Borges da Costa. No mesmo corredor, as duas salas de cirurgia, com uma ante-sala que servia de vestiário.
Hugo Werneck atendia em um consultório particular, primeiro em sua residência, depois numa casa instalada à rua da Bahia, ao lado da conhecida Farmácia Abreu, que ficava na esquina com a atual avenidaAugusto de Lima.
Mas a imagem de homem bom, dedicado à família e à medicina não era a única impressão que se tinha dodoutor Hugo. Ele era sim considerado um ótimo médico, que tratava com muita atenção todos os seus pacientes e principalmente os mais pobres, a quem atendia e aconselhava sem se preocupar com qualquer pagamento. Mas era visto também como um homem sério, sisudo, de humor extremamente variável, rígido em suas determinações, impaciente e exigente com a frequência e a pontualidade.
A Faculdade de Medicina de Minas Gerais
Em 1902, começaram as primeiras discussões sobre a importância e a necessidade de se criar na nova capital uma Escola Livre de Medicina, mas somente em 1910, a partir do surgimento da Associação Médico-Cirúrgica de Minas Gerais, o assunto foi retomado e no dia 5 de março de 1911 foi fundada a Faculdade de Medicina.
No princípio, as aulas da Faculdade de Medicina eram ministradas no Palacete Thibau, na esquina da avenida Afonso Pena com a rua Espírito Santo. A partir de 1914, os alunos passaram a receber as noções práticas nas enfermarias e ambulatórios da Santa Casa de Misericórdia. Em agosto de 1911, os fundadores haviam começado a estudar uma planta para o edifício-sede, a ser construído num terreno do Parque Municipal, na avenida Mantiqueira, hoje avenida Alfredo Balena. A pedra fundamental do prédio da escola foi lançada em julho daquele ano, em solenidade que homenageou o médico Miguel Couto, do Rio de Janeiro, um dos defensores da criação da Faculdade.
A Maternidade Hilda Brandão
O doutor Hugo acreditava, baseado em sua experiência no Rio de Janeiro e na Europa, que o atendimento hospitalar deveria ser prestado às parturientes, com a substituição das parteiras por médicos. Isso porque, na época, era grande o índice de mortalidade materna por falta de socorro obstétrico. E foi para que as mulheres tivessem um espaço reservado de atendimento que ele começou sua luta pela criação de uma maternidade em Belo Horizonte.
A Maternidade Hilda Brandão levou o nome da esposa do então governador de Minas Gerais (1910-14), Júlio Bueno Brandão, homenageando a extensa campanha liderada por ela e pelo doutor Hugo junto à sociedade para viabilizar o projeto. O governo doou o terreno onde foi construído o hospital, mas a verba para a construção foi toda conseguida graças ao esforço dos dois e de outros aliados.
O prédio da Maternidade, ao lado da Santa Casa, era ligado a ela por um corredor. Tinha instalações confortáveis e uma enorme sala de cirurgia, que permitia que um grande número de acadêmicos de medicina assistisse às operações ali realizadas. A Maternidade Hilda Brandão tornou-se referência em todo o país.
O imprevisível
Hugo Werneck era um grande contador de histórias e não era raro que em volta dele se juntasse uma platéia para ouvir casos do Rio de Janeiro, da medicina na capital e na Europa, da vida dele. Se, por outro lado, ouvisse uma história que lhe agradava, ria com vontade, sem o comedimento com que riem os homens ditos sisudos. Falava alegremente e muito bem, encantando quem o estivesse ouvindo. Mas era irônico e provocador, características que lhe renderam algumas inimizades ao longo da vida.
O professor sabia que tinha influência sobre os alunos e tratava de cultivá-la, ensinando a eles muito mais que dados e fatos científicos e acadêmicos. Como já foi dito, tinha cuidado com a aparência e recomendava aos estudantes que estivessem sempre bem apresentados. Fazia de tudo também para que seus alunos aprendessem a serem pontuais. A pontualidade dele era conhecida em Belo Horizonte. Dizia-se que era possível acertar o relógio pela rotina dele, sempre igual, sempre nos mesmos horários.
Inteligente, culto, honesto, trabalhador, extremamente curioso, dizia-se com freqüência de Hugo Werneck. Mas provavelmente nenhum outro adjetivo foi tantas vezes usado para descrevê-lo quanto imprevisível. O humor variava muito, era impulsivo e perdia a paciência com freqüência e rapidez.
Em família
Hugo Werneck morava, desde 1915, numa casa da avenida Tocantins, hoje avenida Assis Chateaubriand. A casa era grande, num terreno enorme, com cerca de 3.600m2. Na frente, um jardim com alamedas e atrás um quintal com pomar.
Dorinha, a primeira menina da casa, lembrava que o pai gostava de ouvi-la tocar piano e muitas vezes pedia que ela tocasse um pouco para ele, desde que não fosse depois do almoço. Este era um horário sagrado para o médico, que se deitava, nem que fosse por cinco minutos, para descansar. A mulher, Dora, era responsável por manter a casa em silêncio durante esse período. As conversas entre os filhos deveriam ser em tom baixíssimo ou ela se zangava. Era preciso respeitar o descanso do pai.
Dora era muito enérgica com os filhos, mas também muito carinhosa. O pai, muito severo, não era homem de beijos ou abraços, comportamento cuja justificativa alegada era o fato de ter sido tuberculoso. Era ocupadíssimo com o trabalho e não tinha muito tempo para as conversas em família, mas fazia questão de que todos almoçassem juntos. Respeitava o jeito de ser de cada um dos filhos.
Ele tratava a mulher de darling e era muito carinhoso com ela. Quando Dora ia para o Rio de Janeiro, onde passava às vezes até algumas semanas, os filhos sabiam que deviam redobrar os cuidados. É que o pai ficava extremamente mal-humorado com a ausência dela e as broncas se tornavam mais freqüentes e duras.
A fundação do Hospital São Lucas
Em 1920, a Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte já tinha 310 leitos disponíveis e a procura aumentava, mostrando que a campanha dos médicos começava a mudar os hábitos da população. Hugo Werneck continuava como provedor e, em 1922, foi fundamental na criação do Hospital São Lucas, que homenageava no nome o evangelista médico, santo padroeiro da medicina. A casa de saúde tinha quarentaquartos e se destinava a receber exclusivamente aqueles pacientes que pudessem pagar pelo tratamento. Era, portanto, lucrativa, e o lucro, reservado para auxiliar o custo da Santa Casa e de suas enfermarias gratuitas. O médico se dizia cansado de bater à porta de políticos pedindo dinheiro para a manutenção do primeiro hospital de Belo Horizonte e, assim, baseando-se em um modelo europeu de administração, resolveu seu problema sem a ajuda do Governo.
Atualização e difusão do conhecimento médico
Hugo Werneck fez questão de sempre manter contato, por carta, com médicos europeus e com alguns brasileiros que moravam por lá, além de assinar várias revistas médicas dos países que considerava os mais avançados na prática da medicina.
Procurava, também, se informar sobre o que acontecia em sua profissão — e mais especificamente em sua especialidade, a ginecologia — nas outras capitais do Brasil, assim como gostava que corressem o país as notícias sobre o assunto saídas de Belo Horizonte. Para isso, trocava correspondência frequente com o amigo Oliveira Motta, ginecologista carioca, professor da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, proprietário e diretor-fundador da Revista de Gynecologia e d’Obstetricia. Além dos artigos que ele próprio escrevia, Hugo Werneck enviava peças de outros médicos mineiros e opinava sobre textos publicados ou a sair na revista.
Fez parte do Colégio Internacional de Cirurgiões, com sede em Chicago. Seu nome foi sugerido pelo escritório da instituição no Rio de Janeiro e sua inscrição aceita em outubro de 1921. No Museu Internacional da Cirurgia, na mesma cidade americana, está exposta, na sala dedicada à América do Sul, uma mesa ginecológica usada por ele. Era também membro do Colégio Brasileiro de Cirurgiões e da Academia Nacional de Medicina, onde tomou posse em 1918.
A diretoria da Faculdade de Medicina
Em 1925, após nove anos no cargo, o doutor Hugo deixou de ser provedor da Santa Casa para assumir a direção da Faculdade de Medicina. A gestão de Werneck durou dois anos e seu papel foi decisivo no desenvolvimento da escola. Foi ele quem incentivou e ajudou a organizar, segundo padrões modernos, inspirados em modelos internacionais, a biblioteca médica, que se tornaria referência no Brasil. A gestão Hugo Werneck ficou marcada também na história da Faculdade pelo apoio dado à sua integração à Universidade de Minas Gerais, criada por lei em 7 de setembro de 1927.
O Sanatório Hugo Werneck
Erguida numa pequena fazenda que Hugo havia comprado, a 14 quilômetros do centro de Belo Horizonte, aconstrução era realmente exuberante, incrustada no meio de densa vegetação, parecendo um pequeno castelo nos Alpes. O clima, aliás, era bem parecido com o de Arosa, a cidade suíça onde Hugo Werneck se tratara. Logo na entrada, ficava a capela com imagens trazidas da Hungria.
O Sanatório era um convênio com o Banco do Brasil, que precisava de uma instituição confiável para tratar seus funcionários tuberculosos e, por isso, concedeu ao doutor Hugo um empréstimo a ser pago em dezanos. Começou a ser construído em 1925 e ficou pronta em 1929. Ali eram tratados pacientes com tuberculose, aos moldes do tratamento que o doutor Hugo recebera na Suíça. Em pouco tempo, se tornou um dos melhores centros de tratamento da doença no país.
Um médico empreendedor
Quando se tratava de administrar negócios que fossem seus, do governo ou de outros, Hugo Werneck era antes de tudo um empreendedor.
Com suas idéias, seu trabalho, sua experiência ou simplesmente seu nome, ele esteve ligado a várias iniciativas que ajudaram a acelerar o crescimento de Belo Horizonte. E teve, ele próprio, alguns negócios que lhe deram a chance de colocar em prática seu lado administrador — fosse no Sanatório ou na fazenda onde este estava instalado.
A Fazenda
Hugo Werneck vinha de uma família onde se contavam não poucos fazendeiros. O mais notável deles foiseu bisavô Francisco Peixoto de Lacerda Werneck (1795-1864), o Barão do Paty do Alferes, empreendedor cuja importância é hoje largamente estudada pelos historiadores. Não apenas foi um grande proprietário de terras na região de Vassouras, no interior fluminense, como sintetizou sua experiência de fazendeiro num livro clássico, Memória sobre a fundação e custeio de uma fazenda na província do Rio de Janeiro, de 1854. Foram essas raízes que seu neto Hugo retomou ao comprar 520 hectares nas cercanias de Belo Horizonte, junto à estrada para Santa Luzia.
O doutor Hugo montou na fazenda uma estrutura quase industrial. Precisava de energia elétrica e para isso construiu uma pequena barragem que alimentava uma usina. Aos poucos, a necessidade aumentou e ele construiu uma termoelétrica a óleo para complementar a produção. Na época da construção do Sanatório, instalou ali uma olaria para que os tijolos necessários à obra fossem produzidos dentro da propriedade. Instalou uma linha de telefone e mais tarde levou luz elétrica da rede para a fazenda, que tinha ainda poço artesiano, caixa d’água, tudo de que ele precisasse.
Ali, produzia-se de tudo. E com muita qualidade. O Sanatório era abastecido com produtos de lá e ainda sobrava para o consumo da família. Werneck ia à fazenda todas as quintas-feiras pela manhã, almoçava por lá e voltava para a cidade perto do meio-dia. Aos domingos, passava quase o dia todo na propriedade, sempre na companhia de um de seus filhos.
O Banco da Lavoura, o Estado de Minas, o Automóvel Clube e o Rotary
Em pouco tempo, o nome de Hugo Werneck havia se tornado sinônimo de um negócio sólido, bem pensado e organizado. E por isso estava presente em importantes iniciativas belo-horizontinas daquele início do século XX.
Foi assim, por exemplo, com o Banco da Lavoura, de que seria um dos fundadores e primeiro presidente. Convidado pelo amigo Clemente Faria, o doutor Hugo emprestava seu nome para dar solidez ao negócio. Em 1925 o empresário monta, contando com o apoio de Hugo Werneck e de outros amigos, a Cooperativa de Crédito. Três anos mais tarde, ela seria nomeada Banco da Lavoura de Minas Gerais, instituição que em 1971 se transformaria no Banco Real, hoje Santander.
Era também provavelmente só com o nome que o doutor Hugo contribuía com o jornal Estado de Minas, fundado em 1928. Apesar de ter sido assíduo colaborador de publicações médicas, como a Revista de Gynecologia e d’Obstetricia, não consta que ele tivesse qualquer interesse editorial no periódico.
Hugo Werneck participou também da criação do Automóvel Clube, em 17 de dezembro de 1925, tendo sido seu presidente, e do Rotary Club de Belo Horizonte, em 13 de setembro de 1927.
O Conselho Deliberativo
Em todas as suas atividades, fosse como médico, professor ou administrador, Hugo Werneck demonstrou disposição para o trabalho e rigidez moral. Aliadas a um senso especial de justiça, essas características fizeram dele um modelo de cidadão.
Em 1916, Hugo passou a ser membro do Conselho Deliberativo de Belo Horizonte, a Câmara dos Vereadores da época, e por catorze anos consecutivos ocupou sua presidência, até a dissolução da casa, com a Revolução de 1930. Era membro atuante do Partido Republicano Mineiro (PRM), que reunia a elite política de Minas Gerais e ao qual se filiou assim que chegou a Belo Horizonte. Foi por duas vezes convidado a assumir o cargo de Prefeito de Belo Horizonte, mas recusou ambas.
A eleição de 1934
Em 1934, na iminência da reconstitucionalização do Brasil, Hugo Werneck é convencido a candidatar-se à Constituinte Mineira, hoje Assembléia Legislativa de Minas Gerais e, nas mesmas eleições, à Câmara Federal, hoje Câmara dos Deputados. Na época, a lei permitia que um mesmo candidato disputasse os dois cargos, com a obrigação, em caso de dupla vitória, de optar por um deles.
Foi o caso do doutor Hugo, vitorioso nas duas votações, sem fazer qualquer campanha, contando apenas com a ajuda de amigos, colegas e clientes, que distribuíram cédulas datilografadas com o nome dele. Era preciso, então, escolher entre ser deputado estadual e ficar em Belo Horizonte e ser deputado federal e ir para o Rio de Janeiro. Uma vez mais, a última, Hugo Werneck escolheu Belo Horizonte. Mal sabia ele que não chegaria a tomar posse como deputado, fosse estadual ou federal.
A última operação
O professor Hugo Werneck havia construído, àquela altura, uma sólida carreira em Minas, reconhecida nos meios médicos de todo o país. Era, no início dos anos 1930, um dos mais respeitados ginecologistas brasileiros, além de um dos mais antigos professores dessa disciplina, o que lhe valia inúmeros convites para bancas de concursos universitários de sua especialidade.
A última cirurgia do doutor Hugo, no dia 31 de janeiro de 1935, ficou marcada na memória de todos os que acompanharam o esforço do médico para realizar a operação. Segundo lembraria Lucas Machado em um artigo após a morte do mestre. “É que, lutando desesperadamente contra os implacáveis sintomas da moléstia, que procuravam tolher-lhe a motilidade já altamente comprometida em um dos membros superiores, Werneck, ocultando com estoicismo as dores que os movimentos lhe causavam e diante dos seus assistentes silenciosos e comovidos, que fingiam não perceber aquela tragédia íntima, consegue praticar com extraordinário brilho, por via vaginal, a retirada (...) de um volumoso fibroma do útero (...). Seu espírito forte, sua poderosa vontade vencia ainda o corpo fracassado! Em seus lábios nem uma palavra de queixa ou de amargura. Pilheriava. Foi esta a sua última grande lição na clínica.”
Os amigos sabiam que, mais que a dor física, o que torturava Hugo Werneck era a imobilidade forçada. A doença na coluna de que sofria começara a se manifestar em 1932 e agravou-se no final de 1934, reduzindo consideravelmente seus movimentos.
A cirurgia em São Paulo
Operado em meados de fevereiro, em pouco tempo o doutor Hugo começou a dar sinais de que recuperaria os movimentos — ou pelo menos parte deles.
O clima era de muito otimismo e Werneck, estava satisfeito com o resultado da operação e com sua recuperação.
Mas qual fosse o pensamento de Hugo Werneck naqueles dias após a cirurgia, ele foi interrompido por outro mais urgente: o próprio médico percebeu que alguma coisa não ia bem e diagnosticou um princípio de pneumonia em um dos pulmões.
Quando recebeu, na noite do dia 18 de março, a visita do amigo e colega Oliveira Motta, ele falou friamente sobre suas chances de sobreviver e o que poderia esperar em termos de retomada da vida profissional.
A morte
Na manhã do dia 19, Jayme foi fazer uma visita ao pai e o doutor Hugo estava aparentemente bem, mexendo os pés, começando a retomar os movimentos. Mas era a saúde interna que guardava más notícias.E ele sabia disso. A pneumonia havia comprometido um de seus pulmões e, como não havia na época antibióticos, e ele, ainda paralisado, não conseguia tossir para expectorar, a doença acabou tomando conta do outro pulmão. Hugo contou ao filho o que havia acontecido: “Jayme, passou para o outro lado” — e sentenciou: “Até meio-dia eu estou frito”. Mais uma vez, um diagnóstico certeiro. Hugo Werneck morreu no fim da manhã de 19 de março de 1935, aos 56 anos. Seu corpo de Hugo Werneck foi embalsamado e trazido de São Paulo para o enterro em Belo Horizonte, onde chegou no fim da manhã do dia 21 de março, 28 anos e quatro meses depois de seu primeiro desembarque na cidade.
A cidade se despede do médico
Doutor Hugo com certeza ajudou a escrever a história da cidade, com participação decisiva em vários campos. Ganhou a admiração de seus colegas, que fizeram questão de demonstrá-la em discursos e artigos à época de usa morte.
Hugo Werneck marcava, com a inauguração do busto de bronze, sua presença definitiva em Belo Horizonte. Batizou uma praça, que, se não chega a ser das mais importantes ou valorizadas da capital, está no coração da região hospitalar pela qual ele tanto trabalhou. O doutor Hugo teria, provavelmente,preferido assim. A cidade a que chegou para “veranear”, como dizia seu primeiro anúncio no Minas Gerais, havia se tornado a sua cidade. O repouso e a vida calma que lhe recomendaram os médicos suíços do Sanatório de Arosa nunca foram realmente possíveis. Mas também não lhe fizeram falta.
Embora tenha sido um professor e uma escola para os jovens médicos mineiros de seu tempo, confirmando parcialmente a previsão, Hugo Werneck não ficou parado, esperando a destruição do tempo. Seu jeito de fugir dela foi optar por seu oposto, a construção. De hospitais, da faculdade, do sanatório e de tantas outras iniciativas.
Quando chegou a Minas Gerais, em 1906, aos 28 anos, Hugo Werneck tinha a expectativa de pouco tempo de vida, mas, vencida a tuberculose, teve outros 28 anos para ajudar a transformar um povoado em cidade, um monte de tendas em hospital, um exílio em carreira e vida produtivas. Agora ali estava ele: imortalizado em um busto que ficaria a olhar a Santa Casa e a cidade de Belo Horizonte para sempre, como se estivesse tomando conta das duas.
Este artigo "Hugo Furquim Werneck" é da wikipedia The list of its authors can be seen in its historical and/or the page Edithistory:Hugo Furquim Werneck.