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Língua geral paulista

Fonte: EverybodyWiki Bios & Wiki

O geral paulista é uma língua franca e crioula formada a partir de dialetos do tupi antigo falados no atual Estado de São Paulo, sendo também influenciada pelas línguas portuguesa, espanhola e guarani.[1] Foi o principal meio de comunicação do povo caipira por mais de dois séculos, era falada, inicialmente, na região de São Vicente e do planalto paulista, disseminou-se pela ação dos bandeirantes nos interiores do Brasil, se expandindo até os atuais estados de Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Paraná.

A língua recebeu diferentes denominações, alguns autores utilizam os termos "geral do sul" ou "tupi do sul", o naturalista alemão Carl Friedrich Philipp von Martius empregou a denominação "tupi austral". Nesta dissertação, optou-se pela denominação "paulista", para evitar uma eventual confusão com o guarani, a língua geral que predominou em algumas regiões do Sul do Brasil.[2]

Em 2014, durante uma pesquisa da Universidade de Campinas, foi identificada uma nova fonte de estudos para a língua. O documento, intitulado Vocabulário Elementar da Língua Geral Brasílica, foi publicado em 1936 na Revista do Arquivo Municipal de São Paulo, apesar do título fazer menção para a língua brasílica (tupi antigo), o vocabulário de autoria de José Joaquim Machado de Oliveira constitui, efetivamente, uma das fontes da língua paulista.[3]

Não existem dados sobre o número total de falantes desde o século XX e nem referências conhecidas que indicam a possibilidade do paulista ser considerada uma língua nativa, sendo assim, é uma língua morta.

História[editar]

Na história do Brasil, a colonização portuguesa iniciou-se, oficialmente, com a fundação da Capitania de São Vicente pelo fidalgo Martim Afonso de Sousa, em 22 de janeiro de 1532. Ao aportar em São Vicente, Martim Afonso se deparou com um grupo formado por degredados, náufragos e desertores portugueses, espanhóis e índios liderados pelo português João Ramalho. A figura de João Ramalho foi de extrema importância para o sucesso da colonização portuguesa na região. Ramalho atuava como intermediário das negociações entre índios tupi e colonizadores portugueses. Ele possuía uma relação estreita com os nativos da região, era casado com Bartira, filha do cacique Tibiriça, e já se encontrava estabelecido entre os tupi desde 1508. A respeito da presença de Ramalho, anterior à fundação da Capitania, entre os nativos, há o relato de Baltasar Fernandes em carta de 1568, na qual narra-se o episódio em que os padres foram comunicados do acidente ocorrido com João Ramalho:

Um homem branco que há 60 anos que está nesta terra entre este Gentio, que agora é quase de cem annos, estando entre os Indios e vivendo não sei de que maneira e não querendo nada de nossas ajudas nem ministério, deulhe Deus de rosto com um accidente, além de muitos corrimentos e pontadas que tinha.[4]

Com a oficialização da colonização, em 1532, a união entre homens brancos e mulheres indígenas tornou-se frequente, já que a escassez de mulher branca no Planalto de Piratininga fez com que, desde os primeiros tempos, o morador branco procurasse a índia em uniões legítimas ou passageiras e múltiplas.[5] Os líderes indígenas, com o intuito de firmar alianças estáveis com estrangeiros detentores de muitos bens materiais novos e desejáveis apoiaram, em um primeiro momento, esse tipo de união interétnica.[6] A população das regiões do litoral de São Vicente, Piratininga e Alto Tietê, na época da colonização, era constituída quase inteiramente por guayanás, tupis e carijós, falantes de língua tupi.[7]

A escassez ou total ausência de mulheres brancas na região pode ser explicada pelo facto de os primeiros grupos de colonos que desembarcaram na Capitania de São Vicente serem constituídos exclusivamente por homens, muitos deles, degredados ou náufragos. Somente cinco anos após a fundação da capitania, desembarcou, em São Vicente, o primeiro casal português.[8] As uniões interétnicas, no entanto, não foram interrompidas com a chegada desse e de outros casais e a vinda de esposas portuguesas. O que predominou, na região, nas primeiras décadas da colonização, foi a união entre homens brancos e mulheres tupi. Nesse contexto, surge, na região, o caboclo, cuja língua materna era o tupi das mães e também de toda a parentela, já que do lado paterno não havia parentes consanguíneos. Essa situação perdurou por um longo tempo e a língua tupi prevaleceu entre a população paulista nos primeiros séculos da colonização portuguesa.[8]

Aos poucos, os tupi de São Paulo, deixavam de constituir um povo independente e culturalmente diverso e a sua língua passou a reproduzir-se essencialmente como língua dos caboclos. A língua falada por essa população cabocla vai, paulatinamente, se diferenciando do tupi genuíno. Nos séculos XVII e XVIII, essa língua, já generalizada pela população paulista, passa a ser denominada língua geral paulista.[8]

Bandeiras[editar]

O início da era bandeirista, de mineração e de preação de índios, no século XVII, contribuiu para a influência materna na cultura e na língua da população paulista. Os homens e os filhos saíam em longas expedições de preamento e pesquisas auríferas, deixando os filhos pequenos aos cuidados das mães que, em sua maioria, eram falantes da língua tupi. Nesse contexto, as crianças paulistas, em seus primeiros anos de vida, eram expostas exclusivamente à língua tupi, tendo contato com a língua portuguesa apenas no início de sua vida adulta. O predomínio da língua geral paulista nas bandeiras era quase total, assim, a área de abrangência da língua paulista foi largamente estendida pela ações bandeiristas nos séculos XVII e XVIII. A língua geral paulista era falada e foi levada pelos bandeirantes de São Paulo para localidades correspondentes aos atuais estados de Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Paraná.

Influências espanholas e guaraníticas[editar]

No início do século XVII, as bandeiras paulistas deram início a uma série de investidas contra as missões jesuíticas espanholas em busca de escravos guarani para trabalharem em terras paulistas. O contato estabelecido durante esse período de guerras entre paulistas e espanhois trouxe para a língua paulista elementos da língua espanhola e do guarani.[9] Além dos tempos de guerra, a escravidão de índios guaranis, trazidos do Guayrá (atual Paraná) e de Tapes (atual Rio Grande do Sul) e carijós de Santa Catarina trouxe influências para a língua paulista ao serem levados até a região de São Vicente. No entanto, acredita-se que por ter se expandido através dos bandeirantes, a língua paulista provavelmente apresenta maior influência da língua portuguesa.[10]

Outras línguas gerais[editar]

Dentre outras línguas gerais do Brasil, o paulista possui mais proximidade do guarani do que da língua nheengatu.[11]

Exemplos[editar]

Comparação entre o paulista e as línguas que influenciaram na sua formação linguística:

Português Paulista Guarani Tupi antigo Espanhol
Mãe Sy Sý/A`y Madre
Pai Ruva Ru Tuba Padre
Filho Raíra A'ýra memby Hijo
Filha Ragira Ajýra Hija
Criança Mitánga Mitã Guacha Niño
Rapaz Culumim Mitãrusu Kuri-goaçu Niño/Chico
Eu Che Che Xe Yo
Vós/Você/Tu Nde Endé Tu/Usted
Adeus/Tchau Chaçô muã

Danheen-verá

Aadjuma Adiós/Chao
Deus Tupã Tupã Tupã Diós

Século XIX[editar]

No século XIX, mesmo com a intensa disseminação da língua portuguesa entre a população paulista, ainda era possível ouvir, embora de forma esporádica e somente na geração mais velha, a língua geral paulista. Em 1853, José Innocencio Alves Alvim, afirma, ter consultado alguns homens velhos que ainda se recordão de vocábulos indígenas da língua geral paulista.[12] Infere-se da declaração de Alves Alvim que, em 1853, nos arredores da cidade de Iguape, a língua paulista, embora não fosse mais corrente entre a população da região, ainda estava presente na lembrança da geração mais velha. Em Curitiba, também costumava-se usar palavras da língua paulista, por vezes acompanhadas da língua portuguesa, como António de Alcântara Machado descreve, fazendo referência ao termo paulista "Ahiva" (português: mau, mal):

Na Curitiba, perguntando eu a um pobre homem como passava de saúde, respondeu-me: ás vezes bem, ás vezes ahiva.[13]

Um importante depoimento sobre o uso da língua paulista no século XIX é a declaração feita por António de Alcântara Machado em O Arquivo de Machado D’Oliveira, no referido artigo, Alcântara Machado faz menção de alguns termos que eram falados na região de São Paulo, possivelmente no século XIX, e caíram em desuso no século XX. De acordo com o autor:

Em São Paulo não mais se ouvia chamar jaguapeva a um cão de pequeno porte, ou sambiquira a banha de uma galinha, ou cigana Paula a mulher andeja e irrequieta.[14]

Em Viagem às Nascentes do rio São Francisco e pela Província de Goiás, Auguste de Saint Hilaire apresenta 48 palavras paulistas, colhidas por ele no início do século XIX em comunidades cafuzas na Província de Minas Gerais.[15]

Século XIX e atualmente[editar]

Registros[editar]

O principal documento conhecido da língua paulista é o Dicionário de Verbos, não datado e de autor desconhecido, compilado e publicado por Carl Friedrich Philipp von Martius em seus Glossaria linguarum brasiliensium, sob o nome de "tupi austral".[16] Esse documento foi entregue a Martius por Ferdinand Denis, um importante historiador e bibliógrafo francês que residiu no Reino do Brasil entre os anos de 1816 a 1821. Além dos documentos supracitados, há, ainda, uma declaração de Couto de Magalhães, na introdução do vocabulário Avá-Canoeiro, na qual, o autor afirma que muitos dos nomes constantes do vocabulário são atualmente correntes entre os paulistas do povo, chamados caipiras. Havia, ainda, em meados do século XIX, diversas expressões da língua paulista no discurso do povo caipira da Província de São Paulo.[17]

Desaparecimento[editar]

Em fins do século XVIII, a coroa portuguesa, sob a gestão de Sebastião José de Carvalho e Melo, Marquês de Pombal, proibiu o seu uso, punindo severamente quem a utilizasse, impondo-se, a partir de então, o idioma português no Brasil. No entanto, a língua geral paulista somente veio a desaparecer totalmente no início do século XX, com a grande onda migratória europeia.[18] Enquanto nas capitais essa língua havia entrado em desuso, no interior ainda continuava viva, há hipóteses de que a língua paulista deu origem ao atual dialeto caipira,[19] falado no cinturão cultural caipira, conhecido como Paulistânia.

Ver também[editar]

Referências[editar]

  1. http://ipol.org.br/raro-dicionario-da-lingua-geral-paulista-e-descoberto/
  2. As línguas gerais sul-americanas, Aryon Dall'Igna Rodrigues (1996)
  3. https://www.unicamp.br/unicamp/ju/591/registro-raro-de-lingua-paulista-e-identificado
  4. FERNANDES, Baltasar (1568). Cartas Avulsas. Rio de Janeiro: [s.n.] pp. 498–502 
  5. MELLO, Aracely da Silveira (1988). As mulheres da Piratininga quinhentista e a formação dos primeiros troncos paulistas. [S.l.: s.n.] p. 183 
  6. RODRIGUES, Idméa (2010). Vocabulário bilíngue: Guarani-Português / Português-Guarani. São Paulo: [s.n.] p. 37 
  7. SCHADEN, Egon (1958). Os primeiros habitantes do território paulista. São Paulo: [s.n.] pp. 62–746 
  8. 8,0 8,1 8,2 RODRIGUES, Aryon (1996). As línguas gerais sul-americanas. [S.l.: s.n.] p. 8 
  9. MARTIUS, Carl Friedrich Philipp von (1863). Beiträge zur Ethnographie und Sprachenkunde Amerika's zumal Brasiliens. [S.l.: s.n.] p. 69 
  10. MARTIUS, Carl Friedrich Philipp von (1863). Beiträge zur Ethnographie und Sprachenkunde Amerika's zumal Brasiliens. [S.l.: s.n.] p. 99 
  11. BARBOSA, A. Lemos (1956). Curso de tupi antigo1. [S.l.: s.n.] p. 12 
  12. MACHADO, Alcântara (1936). Revista do Arquivo Municipal. [S.l.: s.n.] p. 117 
  13. MACHADO, Alcântara (1936). Revista do Arquivo Municipal. [S.l.: s.n.] p. 117 
  14. MACHADO, Alcântara (1936). Revista do Arquivo Municipal. [S.l.: s.n.] p. 118 
  15. SAINT-HILAIRE, Auguste de (1847). Vocabulário do idioma falado na Aldeia-do-Rio-das-Pedras. [S.l.: s.n.] pp. 254–255 
  16. MARTIUS, Carl Friedrich Philipp von (1863). Beiträge zur Ethnographie und Sprachenkunde Amerika's zumal Brasiliens. [S.l.: s.n.] p. 99 
  17. MAGALHÃES, José Vieira Couto de (1863). Viagem ao Araguaya. [S.l.: s.n.] p. 92 
  18. NAVARRO, E. A. (2013). Dicionário de tupi antigo: a língua indígena clássica do Brasil. São Paulo: [s.n.] p. 537 
  19. PIRES, Cibélia Renata da Silva. «Cibélia Renata da Silva» (93) 


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