Teoria HCP
A Teoria HCP (abreviação da expressão Hybrid Creative Products,[1] ou Produtos Criativos Híbridos, em português) é uma teoria que evidencia a relação entre a parte criativa e a parte manufatureira dos setores chamados “criativos híbridos”, porque são setores que utilizam de forma equivalente essas duas áreas. O que a teoria procura apontar é que os setores criativos híbridos possuem uma lógica de funcionamento diferente dos setores puramente manufatureiros ou criativos, portanto, exigem uma teoria específica que possa compreender essas relações[2].
A teoria nasceu dos estudos de empresas dos setores de confecção do vestuário, calçadista e moveleiro, mas hoje se estende a todos os setores que possuem cada vez mais um equilíbrio de forças internas entre a parte manufatureira e a parte criativa. Seu foco principal está na análise das relações entre os setores da criação, da produção e vendas: como os setores se conectam entre si, quais vantagens uma eficiente conexão entre eles pode trazer para empresa; e, por outro lado, quais os impactos para a empresa se essa comunicação não é realizada ou se é realizada com pouca eficácia.
De acordo com a teoria HCP o ponto crítico das empresas desses setores é o surgimento dos chamados "custos invisíveis",[3] aqueles custos que não são facilmente identificáveis, porque se formam precisamente entre as funções.
Os produtos Criativos Híbridos[editar]
Evolução dos conceitos de produtos culturais e produtos criativos[editar]
O termo indústria cultural (e produto cultural) tem uma origem relativamente antiga. Pode-se identificar quatro diferentes fases que derivaram nos atuais conceitos de produtos culturais e produtos criativos.
Fase 1: a preocupação com a mercantilização da cultura[editar]
A literatura atribui o nascimento do conceito de indústria cultural à obra de dois filósofos alemães, Adorno e Horkheimer (1947)[4], que com a associação da palavra “cultura” à palavra “indústria” pretendiam mostrar o risco de uma mercantilização da cultura a favor da elite dominante[5].
Fase 2: Blair e a Nova Economia[editar]
A partir dos anos 1990 o debate muda de direção. Nesta nova orientação, uma primeira contribuição à análise é a publicação na Austrália, em 1994, do relatório Creative Nation[6]. Mas a verdadeira mudança de visão coincide sobretudo com a atividade de pesquisa e a política econômica realizadas no Reino Unido. Em fins da década de 1990 o Departamento de Cultura, Mídia e Esportes (Department of Culture, Media and Sport – DCMS) do governo de Tony Blair definiu uma força-tarefa da cultura (Creative Industries Task Force – CITF) com o objetivo de analisar e mapear as indústrias criativas nacionais, mensurar sua contribuição para a economia e identificar medidas de política econômica que pudessem promover um maior desenvolvimento[7].
A semântica utilizada nesta nova fase modifica-se estruturalmente: de instrumento de controle das massas[8], o papel dos empreendimentos criativos e culturais “torna-se um fato chave na economia. O valor derivado da criação de capital intelectual está se tornando o componente cada vez mais importante da riqueza econômica de um país. Setores, muitos deles novos, que se apoiam sobre a criatividade e sobre a propriedade intelectual, estão se tornando os de maior crescimento e parte importante da nossa economia. Estas são as indústrias onde serão criados os empregos e a riqueza do futuro” (Smith, 1998[9]).
Fase 3: as indústrias criativas e a política econômica: os setores, as profissões, as cidade[editar]
A partir dos anos 2000 o debate se intensifica graças a diversas contribuições que oferecem a arrancada e o suporte para novas políticas econômicas. O modo como são concebidas as relações contratuais entre empresas e criadores passa a ser objeto de estudo, pois estas relações não atendem às regras clássicas estudadas na economia do trabalho. Novos contratos e novas relações entre profissionais e empresas são propostas com o objetivo de melhorar a eficiência da economia e de contrabalancear aqueles que representam casos de “falência de mercado”[10]. Isso permite também trazer à luz as características típicas dos processos de produção dos produtos culturais.
Fase 4: as indústrias criativas como um setor “diferente” e a convergência da economia para a criatividade[editar]
Simultaneamente à fase 3 e mais recentemente, os estudiosos parecem manifestar uma necessidade cada vez mais evidente de adotar instrumentos de análises diferentes. Surge então o desafio de identificar a cultura não simplesmente como um outro negócio da economia, mas de tentar definir novos conceitos e novos instrumentos de análise para um setor que é um “um outro tipo de economia”[11]. Nesta fase, graças mesmo ao esforço de uma maior adaptação dos métodos de análise ao objeto estudado, mostram-se cada vez mais evidentes as diferenças entre os produtos culturais centrais e os produtos criativos periféricos (dentre os quais está a moda). É justamente quando se inicia a levar a sério o desafio de configurar as indústrias culturais que se tonam evidentes as diferenças na natureza destes produtos, que são manufatureiros e criativos ao mesmo tempo [12].
Parte criativo e parte manufatureiro[editar]
A ligação entre moda (criatividade) e indústria (fabricação de têxteis e vestuário) é um fenômeno recente. Nem sempre foi assim: até os anos cinquenta e sessenta do século XX a relação não estava tão próxima[13]. A indústria têxtil e de vestuário em toda a Europa e nos Estados Unidos era largamente orientada para a produção de roupas militares ou de trabalho, exaltando as características funcionais e não os aspectos estéticos ou semânticos do produto. Nos primeiros anos do pós-guerra, a maioria dos consumidores ainda recorria a artesãos locais (alfaiates) para fazer um terno ou para consertar roupas usadas. Uma pesquisa realizada pelo consumidor Doxa em 1953-54 mostra que apenas um quarto da população masculina e apenas uma em cada dez mulheres tinham comprado um vestido fabricado industrialmente em uma loja. Para as mulheres, a autoprodução em casa foi mais comum do que a compra de um vestido produzido industrialmente e uma parcela muito alta para homens e mulheres foi representada pelas roupas feitas por alfaiates. Enquanto nos (Estados Unidos) a produção de roupas em grande escala já havia começado uma década antes[14].
A conexão da parte criativa com a parte manufatureira, na moda e nos demais setores criativos híbridos, é a consequência da conexão entre o valor material e o valor imaterial[15]. Ou seja, à medida em que o valor imaterial passou a tomar importância, essas duas partes se tornaram muito mais conectadas. Como diz Tartaglione et al (2010):
Estudar profissões criativas na moda significa tomar o tema da relação entre indústria criativa e indústria de transformação, entre produtores de significados e produtores de objetos, entre fatores materiais e imateriais. Na indústria da moda, essa relação é íntima, no sentido em que esse adjetivo é usado na fiação: um fio é chamado de mistura íntima quando duas fibras diferentes são inseparavelmente unidas no mesmo fio, ao contrário de fios nos quais a fibra é misturada. é feito combinando fios de diferentes fibras. É um relacionamento que está enraizado no processo de geração de valor, no qual a criatividade não é um elemento acessório ao produto físico, uma decoração, algo que é adicionado às coisas feitas.
— TARTAGLIONE, 2010, p.7., [16]
Na moda existe uma indivisibilidade entre criatividade e funcionalidade, imaterialidade e materialidade que constitui justamente sua essência de produto criativo híbrido[17]. Isto comporta diferenças significativas em relação a outros produtos culturais/criativos. A primeira diz respeito ao fato que, enquanto um produto cultural pode ser desmaterializado, o produto híbrido não. Um livro, uma música, um filme, uma representação teatral ou um concerto podem ser transferidos de um lugar a outro em forma digital, enquanto um produto híbrido tem sempre necessidade de um suporte físico. Não se pode consumir moda sem calçado, sem roupa, sem tecido ou sem fio. Trata-se de uma distinção importante porque significa que, para poder veicular um valor cultural, a moda tem sempre necessidade de uma componente física. As escolhas criativas, então, não podem prescindir daquelas produtivas ou, em outros termos, do vínculo existente em nível material/industrial[18].
Além disso, a sazonalidade do produto torna os itens deixados nas prateleiras das lojas no final do ciclo natural invendáveis a preço cheio, e a adesão do estilo no artigo às tendências da moda não é menos importante. Os custos e riscos da obsolescência são geralmente transferidos para os varejistas, que são "obrigados" a concluir os pedidos bem antes do início da temporada; Há, no entanto, também problemas de natureza oposta relacionados à falta de vendas, causados por previsões incorretas (para baixo). Isso explica a forte propensão dos varejistas, apertados pelas diversas crises após 2010, em direção a canais e métodos de fornecimento marcadamente mais flexíveis[19].
A partir dessa compreensão, surgiu a teoria HCP (Hybrid Creative Products), tendo seu desdobramento em uma metodologia de análise do modelo de negócio das empresas que estão nesse contexto da indústria criativa híbrida[20].
Ver também[editar]
Referências
- ↑ The economics of fashion and hybrid creative products. A new way of thinking business models of creative manufacturing. March, 2019.
- ↑ CIETTA, Enrico. A economia da moda. Editora estação das letras e cores, 2017.
- ↑ A Problemática e A Solução para Os Custos Invisíveis e Custos Ocultos. Tomislav Femenick, 2005.
- ↑ A industria cultural. T. Adorno e M. Horkheimer.
- ↑ Indústria cultural: a mercantilização da arte e da cultura. Rosângela Vieira dos Santos, 2014.
- ↑ AUSTRÁLIA. Creative nation: commonwealth cultural policy, october 1994.
- ↑ Economia criativa e disparidades: inspirações e desafios do cool britain para um Brasil criativo. Leandro Valiati e Paul Heritage, 2018.
- ↑ A invenção das massas : a psicologia entre o controle e a resistência. Regina Duarte Benevides de Barros e Silvia Carvalho Josephson, 2007.
- ↑ Creative Assets and the Changing Economy. Steven Jay Tepper, 2010.
- ↑ Empreendedorismo, economia criativa e direito. Carolina Leonel, 2017.
- ↑ European Commission. Textiles, Fashion and Creative Industries.
- ↑ CIETTA, Enrico. A economia da moda. Editora estação das letras e cores, 2017, p.70-74
- ↑ Trade and the Post War Textile Industry in the United States. Lynn Felsher, 1990.
- ↑ TARTAGLIONE, Clemente; GALLANTE, Fabrizio. Il processo creativo nel Sistema Moda. Ares2 e Sorges, 2010, p.7-8.
- ↑ SAFFARI SIAHKALI, R. A. A. N. A. Meta city/Communication and space. The mechanism of relations in the material and immaterial dimensions of the contemporary urban context, 2014.
- ↑ TARTAGLIONE, Clemente; GALLANTE, Fabrizio. Il processo creativo nel Sistema Moda. Ares2 e Sorges, 2010, p.7.
- ↑ Creative product and creative process in science and art. Larry Briskman, 2008.
- ↑ CIETTA, Enrico. A economia da moda. Editora estação das letras e cores, 2017, p.133
- ↑ ROBERTO, Vona. L’evoluzione dei modelli di gestione dell’impresa di moda: dal pronto-moda al modello ibrido. 2012.
- ↑ CIETTA, Enrico. A economia da moda. Editora estação das letras e cores, 2017
Leitura adicional[editar]
- CAVES, R. E. L’industria dela creatività: economia delle attività artistiche e culturali. Milano: ETAS, 2000.
- DALLA COSTA, A.; SOUZA-SANTOS, E. R. Economia criativa no Brasil: quadro atual, desafios e perspectivas. Revista Economia & Tecnologia, v. 7, n. 4, 2011.
- RICCHETTI, M. CIETTA, E. Il valore della moda. Industria e servizi in un settore guidato dall'innovazione. Mondadori Bruno, 2006.
- ZARA, Elena. Il modello del fast fashion tra business e sostenibilità: l’esempio di H&M. UNIVERSITA’ DEGLI STUDI DI PADOVA, Dipartimento di Scienze Economiche ed Aziendali “M.Fanno”, Corso di Laurea in Economia. Relatore Ch.Mo Prof. Marco Ugo Paiola. 2016-2017.
Ligações externas[editar]
- Dayana Roussenq; Hoyêdo Nunes Lins. Fast fashion e trabalho (in)digno no Brasil: O caso Zara Brasil. 2018.
- Wallentina de Carvalho. Moda e economia: Fast fashion, consumo e sustentabilidade. 2017. Consumo ; moda sustentável.
- Dayana Roussenq. Internacionalização da produção vestuarista e a questão do trabalho: estudo de caso sobre a rede fast fashion Zara pela ótica das cadeias de valor globais. 2017. Ciências econômicas.
- Suellen C. Vieira. Moda, artesanato e imaginário social: O slow fashion como potência simbólica na sociedade pós-moderna. 2020.
- Adriana Tulio Baggio. Valoração dos cursos de moda segundo o nome e grau acadêmico. 2018.
- Maíra Nicoletti; Karine Freire. Roupatecas: modelos de negócios que impulsionam a sustentabilidade. Fórum Fashion Revolution. 2018.
- Letícia G. Galatti; Júlia Baruque-Ramos. Brazilian potential for circular fashion through strengthening local production. 2019. Circular economy.
- Sara Neves. Os estímulos sensoriais e a experiência de compra. 2018.
- Paulo Fonseca Medeiros Filho. Proposição de um modelo de diretrizes para a cocriarão dentro do contexto de empresas de moda no Recife. 2020.
- Ana Carolina de Carvalho Silva. Design de serviço aplicado em evento de economia criativa. 2019.
- Maíra Meira Nicoletti; Karine de Mello Freire . Modelos de negócios para marcas autorais: uma análise pelo design estratégico. 2017.
- Mônica Facchini Krinke; Bianka Cappucci; Dinorá Eliete Floriani. Internacionalização de empresas da fashion industry e vantagem competitiva. 2017.
- Letícia Casagrande Dal Bello et al.. Design e Esporte: análise emocional da Camisa Chapecoense II. 2018.
- Letícia Cunico; Claudelino Martins Dias Junior. Planejamento de produto e fluxo informacional em empresas do setor de confecção. 2019.
- Alzina Maria Leal Alves. Moda, economia criativa e economia circular. 2019.
- Betina Sehn Lopes. Moda sustentável e consumo consciente: desconstruindo padrões. 2019.
- Maiara Pereira Dal Toé. Gestão do design de moda sustentável: Metodologia para a criação de um projeto de coleção. 2019.
- Nathália Cristina Brunini. Fast fashion e as armadilhas do discurso democrático: análise da rede de varejo Riachuelo. 2018.
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- Letícia Cunico; Claudelino Martins Dias Junior. Um modelo de fluxo informacional para empresas do setor de confecção. 2020.
- [https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/190895 Maicon Douglas Livramento Nishimura. Vestuário de moda sustentável: elementos que agregam valor ao produto. 2018.
- Yágara de Lima; Clécio de Lacerda. E-commerce e sustentabilidade no consumo de moda. 2020.
- Letícia Veras Costa. O Direito Marcário na Tutela dos Designs de Moda. 2018.
- Roberta Souza de Mattos. O futuro do varejo fast fashion: Um estudo de cenários para a moda brasileira em 2027 na visão competitiva e de consumo. 2017.
- Sandra Regina Rech, Giovanni Maria Conti. The systemic vision of made in Italy: A set of interrelated and intangible principles. 2020.
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